O turismo entre voos e surfes nas ondas da inovação

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No último 19 de outubro comemorou-se o “Dia da Inovação”.

Em 1901, exatamente neste dia, o brasileiro Alberto Santos Dumont foi capaz de concluir uma volta ao redor da Torre Eiffel (Paris) com o dirigível que inventou. E com isso é interessante observar como a inovação está frequentemente vinculada ao turismo. Dumont não somente desafiou as leis da física, como rompeu o paradigma do poder alçar voo com mais tempo e, mais ainda, perto daquele que seria um dos mais visitados atrativos turísticos do mundo (diga-se, de passagem, a criação e construção da Torre Eiffel foi surpreendentemente inovadora na época). Cabe ressaltar inclusive que, desde a invenção do famoso 14-bis e demais dirigíveis, até os dias de hoje, o homem prova que o céu não é mais o limite, sobretudo com a futura e inevitável popularização do turismo espacial.

Por ser a inovação tão importante para nossa sociedade e empresas, foi publicada em 2010 a Lei n. 12.193, que estabelece o Dia da Inovação (disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12193.htm), cuja iniciativa surgiu da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (PROTEC).

Analogamente, reconhecendo essa relevância da inovação para nosso País, em 2014 defendi pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), vinculado à Universidade de Brasília (UnB), minha tese de doutorado, nomeada “Visitando o século XXI: inovações para a sustentabilidade em destinos turísticos brasileiros” (disponível em: http://icts.unb.br/jspui/handle/10482/17944?locale=es), sob a orientação do Prof. Dr. Elimar Nascimento. Inclusive foi a convite dele, em 2009, que passei a integrar o Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS), grupo de pesquisa do qual tenho a honra de participar desde então!

O objetivo da tese foi identificar e analisar como os destinos turísticos brasileiros adotam inovações para a sustentabilidade. Uma das conclusões desse estudo indicou que a inovação para a sustentabilidade é uma prática ainda pontual no Brasil, mas tem potencial para ajudar destinos turísticos a se tornarem mais competitivos. As inovações incrementais são as mais recorrentes e as inovações disruptivas no turismo (sobretudo as vinculadas à sustentabilidade) são raras no País. Um dos exemplos clássicos, nesta direção, de uma inovação mais “radical”, que de fato muda paradigmas de produção, comercialização e consumo, foi a criação do voucherúnico pelo Conselho Municipal de Turismo de Bonito/MS, que reestruturou e organizou a cadeia de valor do turismo local, conciliando o desenvolvimento turístico com a conservação ambiental. Até hoje essa inovação é referência em âmbito mundial.

Para o desenvolvimento da tese foram envolvidos 50 especialistas em turismo e inovação residentes em várias partes do Brasil. A eles foram apresentadas 12 práticas de inovação para a sustentabilidade (identificadas conforme revisão da literatura). Assim, concluiu-se que a maioria indicou essas três práticas como as mais relevantes para o aumento de competividade de destinos brasileiros, quais sejam:

1. “Incentivo ao empreendedorismo e à gestão empresarial focada na inovação, com programas de financiamento e subvenções econômicas tendo como requisitos a inovação e a sustentabilidade”;
2. “Inovações sociais com melhoria das condições de trabalho, educação, saúde, além de socialização nos espaços públicos – repercussão direta/indireta no turismo”; e,
3. “Políticas públicas menos burocráticas (gestão eficiente), adoção de ‘compras públicas verdes’ e estímulo à cultura da C,T&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) – repercussão direta/indireta no turismo”.

Esses achados demonstram a necessidade de mudanças estruturais e conjunturais de políticas públicas, que poderiam impactar sistêmica e positivamente o turismo.

As recomendações, nesse contexto, são tautológicas: necessidade de mais investimento em pesquisa e desenvolvimento, maior e melhor capacitação de profissionais (sobretudo na era das novas tecnologias) e criação/consolidação de um ambiente favorável à inovação, no qual se associe minimamente o Estado, empresas e universidades/centros de pesquisa (Tríplice Hélice da Inovação).

Pontualmente, e valendo-me propositalmente de um recurso de inteligência artificial, destaco alguns exemplos de tecnologias mencionadas pelo ChatGPT que podem auxiliar no aumento da competitividade do turismo no Brasil. Dos tópicos abaixo, que obviamente não esgotam o debate, é possível inferir que tais tecnologias podem ser adotadas como estratégia para práticas de inovação para a sustentabilidade. São eles (texto adaptado da ferramenta digital):

  • Realidade aumentada e virtual: podem ser usadas para criar experiências turísticas mais imersivas e envolventes.
  • Inteligência artificial: pode ser usada para personalizar a experiência do turista, oferecendo recomendações e ofertas relevantes.
  • Blockchain: pode ser usado para garantir a segurança e a transparência das transações turísticas.
  • Internet das coisas: pode ser usada para melhorar a eficiência dos processos turísticos, como o monitoramento de infraestrutura e o controle de acesso.

O Prof. Dr. Glauco Arbix já dizia em 2007 que a inovação no Brasil está em sua “primeira infância”. Recentemente, o empresário Walter Longo, reconhecido pela atuação em empreendedorismo digital, em especial na área de comunicação, disse que se em outras eras da humanidade vivemos ondas de tecnologia, agora, com a inteligência artificial, temos um “tsunami” de novos desafios, mas que podemos aprender a “surfar” nele.

No turismo, isso não é diferente. Valido a literatura na qual se registra que a atividade turística pode ser economicamente mais competitiva e, ao mesmo tempo, sustentável, a exemplo de maior participação do empresariado local, aumento na geração de renda local e adesão social e eficiência no uso dos recursos naturais.

O ideal é usar nossa inteligência, criatividade e a mesma capacidade inovativa de séculos e séculos (a exemplo de Santos Dumont) para reinventarmos um mundo com condições de ar, água e solo saudáveis, equilíbrio entre conservação e uso da biodiversidade, políticas públicas menos burocráticas e mais adequadas às necessidades da sociedade civil, questões econômicas e financeiras mais justas, condições de trabalho e emprego decentes, valorização cultural, entre tantas transformações.

Acredito que grupos de pesquisa como o LETS/UnB convergem essas pautas e propiciam debates capazes de apresentar caminhos possíveis para os distintos stakeholdersque conferem o caráter multissetorial e multimotivacional do turismo, para o presente e para o futuro, entre “voos e surfes nas ondas da inovação”.

Daniela Maria Rocco Carneiro

Daniela Maria Rocco Carneiro

Doutora em Desenvolvimento Sustentável (UnB), com doutorado sanduíche em Competitividade e Inovação (Universidade de Deusto, Espanha). Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
Belo Horizonte/MG