Se você me vir, chore!

Photo by José Ignacio Pompé / Unsplash

Recentemente, jornais e revistas do mundo estamparam imagens de secas dramáticas em vários países.

Na China, por exemplo, estátuas do Buda ficaram à vista no leito do rio Yangtzé. De acordo com o Copernicus, programa europeu de observação da Terra, conduzido pela União Europeia e pela Agência Espacial Europeia, a seca no continente foi a pior em 500 anos – o pior momento havia sido registrado em 1540. A estiagem atual afetou o transporte fluvial, a produção de eletricidade e, por óbvio, a produção de alimentos. Na República Tcheca, a seca severa formou bancos de areia no rio Elba, mostrando blocos rochosos do ano de 1616 em que estão gravadas as palavras “Wenn du mich seehst, dann weine”: “se você me vir, chore”.

Há alguns anos, a questão ambiental tem estado na pauta diária daqueles que se preocupam com a manutenção da vida sobre nosso planeta. Alguns se referem à segurança alimentar pois sem condições ambientais apropriadas, é impossível “colocar comida no prato”; outros, chamam nossa atenção para os perigos da subida dos mares que, literalmente, “engolirá” cidades e matará pessoas. O aquecimento da atmosfera e consequente aumento da temperatura das águas matará flora e fauna, não somente marítimas, mas terrestres, extinguindo espécies e comprometendo o equilíbrio biológico essencial para a vida.

Em 2006, Al Gore, então vice-presidente dos Estados Unidos da América, lançou ao mundo o documentário “Uma verdade incoveniente”[1]. Contestações à parte, não se pode negar que, de fato, a Terra vem se aquecendo e que nós, seres humanos, somos os principais responsáveis pela velocidade com que isso acontece. Gore, como político, pode ter-se equivocado num ponto ou outro da sua interpretação, mas hoje contamos com robusta pesquisa científica que comprova o estrago que vimos fazendo no planeta. Hoje sabemos que o desequilíbrio ambiental afeta a vida em sua própria essência comprometendo nossa saúde e podendo, inclusive, ser responsável por calamidades como as pandemias.

As secas

Secas são consideradas naturais quando se referem a um ano de provisão de água abaixo da média. Contudo, à medida que a temperatura da atmosfera terrestre aumenta, como um resultado das alterações climáticas, essas situações têm-se tornado mais severas e frequentes. Os noticiários nos mostram essas cenas quase diariamente. Satélites da NASA, em parceria com várias instituições do mundo, monitoram constantemente os vários sinais de seca no planeta: sejam pela falta de precipitação, pelos baixos níveis nos reservatórios e rios, derretimento de geleiras, solos secos ou água subterrânea. A partir desses dados, cientistas de diversos países avaliam a situação atual e fazem projeções e cálculos para o futuro.

Já sabemos que as atividades humanas emitem grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) e outros gases na atmosfera que aquecem nosso planeta. Por sua vez, um planeta mais quente, é um planeta mais “sedento”, mais propício a incêndios severos, sem contar que a produção de alimentos é altamente comprometida, causando aumento nos preços e inviabilizando que muitos possam se alimentar. Estranhamente, por outro lado, o resultado disso também são chuvas severas, alagamentos e inundações em outros locais.

Dados atuais mostram que a continuarmos nesse ritmo de incompreensão e desrespeito à natureza, não haverá retorno possível para recuperarmos o estrago. Cientistas do mundo inteiro advertem que já estamos vivendo essa condição em alguns lugares do planeta.

Nesses últimos dias, estamos presenciando mais uma reunião da “Conferência das Partes” (Conference of the Parties) – COP, o órgão máximo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992 (há exatos 30 anos). Os representantes das Nações signatárias têm-se reunido anualmente, a partir de 1995, durante duas semanas, quando avaliam a situação do clima no mundo e buscam propor mecanismos de mitigação dos seus efeitos. Estamos na reunião de número 27. De acordo com Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, em entrevista ao podcast OAssunto#832, após tantos encontros, chegamos ao momento de “implementação de tudo o que foi prometido”.

Com a recente eleição de Luiz Inácio Lula da Silva o Brasil volta ao protagonismo nas questões ambientais mundiais. Toni diz estar esperançosa. Eu também.

Inger Andersen, Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Secretária-Geral Adjunta das Nações Unidas, considera que “as pessoas de todos os lugares precisam saber que estamos todos na linha de fogo. Ninguém está a salvo”. Considera que as lideranças reunidas na COP 27, no Egito, devem assumir “compromissos e planos de implementação nacionais mais fortes”. Andersen faz um alerta:

“A mudança climática não está mais no horizonte. Não está mais à nossa porta. Está em nossas casas”.

Se você me vir, chore...

As pedras já surgiram. Não estão mais ocultas. Resta-nos chorar pelos estragos que causamos, perceber a gravidade das nossas ações e hábitos. É preciso agir agora, não há como esperar mais. Cabe somente a nós mesmos mudar o rumo da nossa história!

Foto: reprodução https://observatorio3setor.org.br/noticias/pedras-da-fome-aviso-do-seculo-16-sobre-seca-e-fome-intriga-a-europa/)

[1] An Inconvenient Truth, EUA, 2006 – documentário dirigido por Davis Guggenheim com roteiro e apresentação de Al Gore. Tem duração de 1 hora e 37 minutos. Ganhador de dois prêmios Oscar em 2007: Melhor Documentário e Melhor Música Original – I Need To Wake Up” de Melissa Etheridge.

Iara Brasileiro

Iara Brasileiro

Professora da Universidade de Brasília. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS/UnB).
Brasília