O umbigo da Terra e os perigos da monocultura do Turismo

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A Ilha de Páscoa, ou Rapa Nui em idoma nativo, é uma ilha de território chileno que fica no Oceano Pacífico. O "umbigo da Terra" é o significado de seu nome. Conta com vulcões, praias, planícies e um inigualável patrimônio arqueológico. Seus mais de 900 moais, gigantes figuras humanas esculpidas em pedras, são icônicos e vivem lado a lado com seus cerca de 7 mil habitantes nesse sítio UNESCO.

A ilha esteve fechada para a visitação desde o início da pandemia e, recentemente, neste mês de Agosto de 2022, ela reabriu para o turismo. Essa decisão foi tomada pelos dirigentes da ilha e passou por uma votação popular em 2021. A população decidiu mantê-la fechada para o turismo por entender suas vulnerabilidades e riscos durante a pandemia de COVID-19.

A visitação foi retomada há alguns dias, no início do mês de Agosto de 2022. A chegada de vôos, com frequencia reduzida, tem sido notícia em diversos meios de comunicação (El País, UOL, Reuters, Buenos Aires Times, entre outros).

O turismo era o principal gerador de renda local, com 3/4 da população vivendo de suas receitas.  Antes visitada por mais de 160.000 turistas por ano, a belíssima reportagem do El País mostra depoimentos de que a língua ancestral estava se perdendo em favor do inglês, "mais útil" para o turismo. Que as danças e manifestações culturais eram para o turista, e não mais expressavam genuinamente aquele povo. Que os habitantes passaram a ter pouco tempo de descanso para atender a demanda turística. Que a identidade daquele povo estava sendo moldada pelo turismo. Exemplos de conceitos que estudamos em livros, como apropriação cultural, gentrificação e outros.

O prefeito, Pedro Edmunds, analisa que houve uma cegueira diante do alto volume de turismo que a ilha passou a receber.

Diante da pandemia, o turismo parou. As notícias têm mostrado que a ilha precisou se reiventar e houve a decisão de adiar a volta da visitação até que 80% da população estivesse vacinada. Foram poucos os casos de COVID-19 e não houve mortes pela doença.

Durante os mais de 800 dias de isolamento, moradores que viviam do turismo passaram a se dedicar à agricultura, apoiada por um programa de distribuição de sementes e por uma rede de trocas dos itens produzidos. O prefeito da Ilha fala da retomada de um valor ancestral de solidaridade entre eles. Há depoimentos da volta de um tempo em que aquele espaço era dos seus moradores, e falam-se de mais providências para proteger o patrimônio e a natureza serão tomadas naquele frágil ecossistema.

Fala-se de um turista que será bem-vindo, mas com novas regras e em menor quantidade. Os 10 vôos semanais de linhas, somados a vôos fretados e cruzeiros, agora darão lugar a 2 vôos por semana. Há expectativas de um novo balanço entre necessidades do morador e do visitante, depois deste tempo em que o turismo parou e eles puderam, sim, sobreviver.

Assim, o que a retomada do turismo na porção de terra habitada por humanos mais isolada da Terra (Chile Travel, 2022) pode nos ensinar neste momento?

  • que o turismo deve respeitar as decisões daqueles moradores, que devem ter voz e possibilidades de decisão (exatamente o que está no âmago do turismo de base comunitária - TBC)
  • que é perigoso fomentar uma estrutura em que o turismo vire uma monocultura. Assim como se fala na agricultura, é um empobrecedor viver do plantio de apenas uma espécie. Com o turismo, há um paralelo. Ele deve se integrar a uma equilibrada e diversa estrutura produtiva em que outras atividades da vida daquela comunidade acontecem
  • que os limites são necessários para garantir o turismo que desejamos: equilibrado e que caminhe em favor da sustentabilidade, integrando aspectos socioeconômicos e ambientais daquela realidade

 

Helena Costa

Helena Costa

Coordenadora do LETS/UnB. Professora Associada III do Departamento de Administração da Universidade de Brasília. Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Turismo. Administradora.
Brasilia, Brasil