O Jogo do Orçamento Público no Turismo

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Economia é um jogo de soma zero? Depende. A resposta para esse questionamento está atrelada, basicamente, ao contexto no qual é aplicado e à uma variável fundamental: o que está em jogo.

Conforme explica a Teoria dos Jogos, um jogo de soma zero é aquele no qual para haver ganhos de um lado, o outro necessariamente deve perder. O xadrez, o jogo de damas, e até mesmo o popular jogo da velha, são exemplos que ilustram essa definição. No futebol, ainda no clima de Copa do Mundo, seriam os famosos "mata-mata", quando apenas uma equipe avança para a fase seguinte (o Brasil que o diga...).

Trazendo para o universo das políticas públicas, o jogo de soma zero pode ser observado no processo de tomada de decisão para a alocação de recursos. Para que uma área conquiste um orçamento, necessariamente outra (ou outras) têm que perder, em menor ou em maior grau. E, neste cenário, geralmente o jogador que acumula muitas perdas, é o Turismo.

Há poucos dias, foi manchete em diferentes veículos, que orçamento do Ministério do Turismo, para o ano de 2023, traz um corte de 74% com uma destinação de apenas R$ 19 milhões para investimentos, que seria a verba responsável por viabilizar a execução das políticas públicas. Já para a Embratur, não há previsão de verbas federais, pois a agência se tornou um Serviço Social Autônomo.

Ironicamente, este valor de R$ 19 milhões foi alocado em um programa chamado “A Hora do Turismo”, um conceito criado em 2019 pelo MTur para "marcar o momento positivo da indústria nacional de Viagens". Em teoria, a marca criada na ocasião, que se utiliza do mesmo nome do programa, viria acompanhada de diversas medidas, tais como: abertura de mercado, visando o aumento da competitividade do setor; estruturação e qualificação da oferta turística; promoção dos destinos; parceria público-privado; captação de investimentos e estímulo a novos negócios; e ações que tornem o destino Brasil mais atrativo tanto para brasileiros quanto para estrangeiros.

Comparando com o planejamento de turismo dos últimos anos, na Lei Orçamentária de 2022, "A Hora do Turismo" tinha um valor previsto de mais de R$ 179 milhões. Em 2021, o valor empenhado foi ainda maior: R$ 254 milhões.

No projeto para 2023, os R$ 19 milhões previstos foram distribuídos em 06 grandes grupos de atividades e em 01 projeto:

Atividades

Valor

Promoção e Marketing do Turismo no Mercado Nacional.

R$ 1.639.870,00

Gestão, Inovação e Inteligência Competitiva do Turismo.

R$ 2.833.328,00

Sustentabilidade, Formalização, Posicionamento e Apoio à Comercialização de Produtos Turísticos.

R$ 6.480.000,00

Estruturação e Ordenamento dos Destinos Turísticos Brasileiros.

R$ 1.815.000,00

Promoção de Investimentos Privados, Financiamento, Parcerias e Concessões no Setor de Turismo.

R$ 1.000.040,00

Qualificação e Certificação no Turismo.

R$ 3.520.000,00

Projetos

Valor

Apoio a Projetos de Infraestrutura Turística.

R$ 1.878.945,00

Total

R$ 19.167.183,00

Traçando um paralelo, não podemos deixar de lembrar: a mesma proposta que prevê R$ 19 milhões para o turismo, reservava escandalosos R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto, considerado incostitucional ontem (19/12/2022) pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Todo brasileiro, minimamente bem informado, tem ciência de que o cenário econômico no país preocupa. A pandemia do COVID-19 ainda é um temor real, os reflexos da insana guerra promovida pela Rússia também são sentidos por aqui, dentre outras variáveis externas e internas que tornam ainda mais tortuosos os rumos da economia. Por isso, não era de se esperar que os investimentos públicos fossem vultuosos no próximo ano, principalmente para o Turismo que ainda não é visto como um dinamizador econômico. Contudo, o que está sendo revelado pelo grupo de transição do novo governo, mostra um roteiro premeditado de caos.

A ausência de recursos para o MTur significa que as propostas trabalhadas pela sociedade para o turismo no próximo governo, dificilmente serão executadas em um horizonte próximo. O documento, que ficou aberto às contribuições até o dia 18 de novembro de 2022, apresenta diretrizes para 03 grandes áreas: Turismo e Qualidade, Governança Fortalecida e Imagem de um Destino Turístico e de uma Nação. Destaque para o retorno de ações de inclusão das comunidades tradicionais, afro e LGBTQIA+ e para iniciativas que abordam a preocupação com as mudanças climáticas.

As “tesouradas” federais também atingiram programas fundamentais da área da saúde, como o Farmácia Popular e o Programa Nacional de Imunização. O Auxílio Brasil, objeto de grande alarde na campanha eleitoral, sequer tem recursos assegurados para garantir o piso estabelecido.

Diante dessa realidade, algumas reflexões precisam ser feitas. O setor privado do turismo necessita de um agente condutor da retomada, que invista em ações de fomento. Sem recursos para agir, o MTur corre o risco de ser um mero figurante. Programas, já combalidos pela ausência de planejamento, como a Regionalização Turística, podem desparecer de vez. A promoção turística, fundamental para resgatar a imagem do Brasil e atrair visitantes, com um orçamento tão diminuto, terá seu alcance restrito. E a infraestrutura turística continuará sendo um gargalo para o crescimento do turismo no país.

O grupo de transição classificou a situação do MTur como “terrível” e entregou um relatório ao vice-presidente eleito, Geraldo Alckimin. O documento, que ainda não se tornou público, pode trazer algumas respostas, contudo, não existem soluções mágicas. Na tentativa desesperada de se reeleger, o (ex) Presidente Bolsonaro assumiu um risco muito grande. Em um jogo de soma zero, optou por determinar que o Estado perderia mais. Resta saber quem saiu ganhando nessa história.

Graziele Vilela

Graziele Vilela

Consultora de turismo. Pesquisadora do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS/UnB). Mestre em Turismo pela UnB. Turismóloga pela PUC Minas.
Itaúna, MG