Embratur e MTur: estamos falando de um mesmo governo?

Photo by Towfiqu barbhuiya / Unsplash

Em meados de junho de 2022, quando a corrida presidencial já estava acirrada, foram criados diferentes grupos de trabalho para auxiliar na construção de propostas de governo para o candidato Lula.

Um desses grupos – o de turismo – teve a contribuição ativa de alguns membros do Laboratório de Estudos de Turismo Sustentável (LETS), que discutiram diretrizes para alavancar o turismo brasileiro.

O sentimento que tomou tantos de nós era de muita esperança.

Estavam ali reunidos acadêmicos, figuras representativas de diferentes setores e pensadores que se dedicam a pesquisar sobre o turismo atual e futuro. Um seleto grupo que, voluntariamente, dedicou horas construindo algo que acreditava ser o melhor para o turismo no país.

Com a eleição de Lula a esperança ficou ainda maior.

Finalmente, haveria abertura para o diálogo e participação, pois víamos que a maioria dos que compuseram o grupo de transição responsável pelo tema já tinha familiaridade com o setor. Sairia dali a(o) futura(o) Ministra(o)? Ou, quem sabe, a(o) Presidente da Embratur?

Porém, a realidade que começou a se desenhar trouxe uma certa decepção. Para quem acompanha de perto os bastidores da política em Brasília, o Ministério do Turismo há tempos é considerado uma moeda de troca, utilizado para atender aos anseios partidários de possíveis aliados (principalmente do MDB). Não é uma pasta com um orçamento vultoso, e que depende muito de emendas parlamentares. Para o ano de 2023, como já discutimos em artigo anterior no blog do LETS, a destinação de verbas foi ainda muito menor. Também não é uma pasta que atrai muita visibilidade política, com exceção de obras realizadas em alguns redutos eleitorais e que nem sempre são, propriamente, destinos turísticos. Assim, ao destinar o MTur para um aliado, o governo eleito "cumpre a cota" e não perde o controle de uma área considerada como estratégica.

É clara a ausência de critérios técnicos para a definição do Ministro do Turismo. Analisando a biografia daqueles que ocuparam o cargo, nota-se que dos 13 que antecederam a atual, Ministra Daniela Carneiro, apenas cinco tiveram alguma experiência anterior no setor (considerando que a prévia de dois deles foi na Embratur, pouco tempo antes de assumirem o MTur). Ou seja, de fato, somente três tinham um lastro maior antes de assumir o posto.

Com a nova Ministra, o roteiro se repete. Integrante do partido União Brasil, Daniela Carneiro está em seu segundo mandato como Deputada Federal. Antes de ingressar na vida política, a Deputada, que é pedagoga, trabalhou na Secretaria Municipal de Educação e na Secretaria de Assistência Social e Cidadania, ambos no Rio de Janeiro, e na Secretaria de Assistência Social e Cidadania de Belford Roxo, cidade em que seu marido é Prefeito. Aparentemente, nunca trabalhou ou estudou sobre o turismo e suas implicações econômicas e socio-ambientais.

Em sua campanha eleitoral, a Deputada usou como principais plataformas a defesa da mulher, da criança, com ênfase nos autistas, e dos idosos. A partir do segundo turno das eleições, ela e o marido, mesmo oriundos de um reduto bolsonarista, apoiaram a candidatura de Lula. Após a vitória nas urnas, a Deputada foi nomeada para integrar a equipe de transição na pasta Mulheres. Quando entrevistada, afirmou que sua atuação é “voltada para as pautas pertinentes à família e à mulher”.

Revendo o histórico do MTur, não deveríamos ter ficado tão surpresos com a indicação da Deputada Daniela Carneiro, ou de algum político em seu lugar. Esse era um cenário altamente previsível. No entanto, não bastasse o desconhecimento do setor, por parte da nova Ministra, nossas preocupações se avolumaram após as notícias, abafadas pelo lastimável 08 de janeiro, de um possível envolvimento seu com “organizações armadas de poder paralelo”. Há fotos que documentam essa proximidade da nova Ministra com um homem apontado no relatório final da CPI das Milícias (2008) como líder de um desses grupos na Baixada Fluminense (RJ), condenado e preso por homicídio. A mídia noticiou extensamente estes fatos na primeira quinzena de trabalhos do novo governo, gerando uma série de desgastes.

A mais recente nomeação para o MTur também causa estranheza. Trata-se do ex-assessor de Eduardo Cunha, o "planilheiro do impeachment", Carlos Henrique Menezes Sobral, que assumiu a Secretaria de Sustentabilidade, Desenvolvimento Territorial e Infraestrutura. Em seu histórico, Sobral traz a chefia de gabinete da Secretaria de Governo na gestão de Michel Temer, diretoria parlamentar e federativa da Secretaria Executiva do Ministério da Cidadania, a assessoria ao ex-Ministro da Saúde Marcelo Queiroga e uma nova atuação na Secretaria de Governo ocupada por Flávia Arruda, os três últimos na gestão de Bolsonaro. Além de tudo isso, foi, também, assessor do ex-deputado Geddel Vieira Lima, preso em 2017.

Por outro lado, a Embratur parece estar adotando um caminho distinto, pautando as nomeações em critérios mais técnicos. O atual presidente da Instituição, o Deputado Federal Marcelo Freixo, como outros, não apresenta experiência no setor de turismo, tendo ganho notoriedade nacional quando presidiu a CPI das Milícias no Rio de Janeiro, a mesma que implicou o homem que aparece nas fotos com a Ministra Daniela Carneiro.

Contudo, as mais recentes indicações para os cargos da Embratur sinalizam que Freixo está buscando se cercar de profissionais com bagagem no turismo. Primeiro, tivemos a nomeação de Jaqueline Gil como Diretora de Marketing, Inteligência e Comunicação da Embratur, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo. Hoje, Bruno Reis e Mariana Aldrigui foram anunciados como Gerente de Mercados, Feiras e Eventos Internacionais e Gerente de Pesquisas e Inteligência de Dados, respectivamente.

Reis ocupava a presidência da EMPROTUR - Empresa Potiguar de Promoção Turística, é vice-presidente do FORNATUR - Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo e já atuou como executivo do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Já Aldrigui é professora pesquisadora na área de Turismo na USP, presidente do Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo e coordenadora da ONG Global Travel & Tourism Partnership no Brasil no projeto de expansão da instituição para a América Latina.

Aquele sentimento de esperança, palpável nos grupos de trabalho da corrida presidencial e na transição, renasce com as últimas nomeações para a Embratur. Ao contrário do MTur, este corpo técnico que assume, claramente está mais alinhado com as pautas reivindicadas por aqueles que apoiaram o Presidente Lula.

Este cenário tão oposto no MTur e na Embratur nos leva a uma reflexão fundamental: governabilidade é uma coisa – absolutamente necessária e essencial. Outra, muito diferente, é a complacência. Afinal, estamos ou não falando de um mesmo governo?

Graziele Vilela

Graziele Vilela

Consultora de turismo. Pesquisadora do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS/UnB). Mestre em Turismo pela UnB. Turismóloga pela PUC Minas.
Itaúna, MG
Iara Brasileiro

Iara Brasileiro

Professora da Universidade de Brasília. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade (LETS/UnB).
Brasília