COP 27, turismo e mudanças climáticas: onde está o Brasil?

Photo by Rodrigo Kugnharski / Unsplash
A retomada da inserção internacional do Brasil faz aumentar expectativas para o turismo brasileiro se posicionar frente ao crescente desafio da emergência climática.

Com o encerramento da 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), no Egito, ficou marcado o início do reengajamento internacional do Brasil como protagonista de questões do clima[1]. Nesse contexto, restou-nos a pergunta: como o turismo brasileiro, grande ausente até o momento, se posicionará frente ao crescente desafio da emergência climática e à acalorada discussão global?

Em continuidade aos trabalhos iniciados na COP26, quando foi lançada a Declaração de Glasgow para Ações Climáticas no Turismo[2], a Organização Mundial do Turismo (OMT), em parceria com atores-chave e redes globais - como One Planet Network, Sustainable Hospitality Alliance, Tourism Declares, Green Initiative - lideraram dois dias de discussões e eventos focados no setor de viagens, no Egito.

Gestores públicos, incluindo ministros de turismo de países como México, Espanha, Croácia, Angola e Bahamas e gestores privados, sobretudo CEOs de grupos como Intrepid Travel e Iberostar marcaram presença nas discussões sobre trocas de experiências e ferramentas a serem aprimoradas e aplicadas para a mensuração, descarbonização e transformação do setor do turismo a partir de ações climáticas. Os temas centrais das reflexões perpassaram por metodologias e ferramentas de mensuração de emissões de gases de efeito estufa e de descarbonização das atividades turísticas, repetindo Glasgow, mas aportando novidades como a necessidade da regeneração e a corrida pelo financiamento para a transição verde, sobretudo nos países em desenvolvimento.

Aprimorar ecossistemas e soluções que 1) mensurem as emissões de gases de efeito estufa, 2) descarbonizem a economia do turismo e 3) fortaleçam ecossistemas e promovam adaptações às vulnerabilidades de comunidades e regiões é o objetivo exposto pelas lideranças das organizações envolvidas na articulação da Declaração de Glasgow para Ações Climáticas no Turismo.

Ainda que consensos tenham sido alcançados na COP27, sobretudo relacionados às perdas e danos, e mecanismos de financiamentos contra eventos extremos, pouco se avançou sobre metas de aquecimento global. Nenhum avanço foi feito em relação aos combustíveis fósseis, um dos maiores vilões nas emissões de gases poluentes.

Peter Thomson, Enviado Especial do Secretário Geral da ONU para os Oceanos, fez uma provocação aos líderes do turismo[3]: “Estamos em alta velocidade na rodovia que nos levará ao inferno (“We are on a true Highway to Hell”), os 3 graus Celsius de aumento de temperatura global. Temos a opção do desvio, uma estrada esburacada, estreita e pedregosa que nos levará aos 1,5 C. Se seguirmos adiante, o turismo se torna um wicked problem, ou seja, um problemão. Se tomarmos o desvio, apesar das dificuldades, podemos todos nos salvar”. A reflexão de Thomson, de que o caminho não será fácil, nem barato, foi concluída sem deixar dúvidas: não é possível seguir na mesma rota que nos trouxe até aqui.

Imagem: Chamada para eventos de turismo na COP 27

Entre os destaques discutidos e apresentados pelo setor de turismo, não estava o Brasil. Apesar de empresas brasileiras e a Fundação de Turismo do Mato Grosso do Sul terem se comprometido publicamente com compromissos da Declaração de Glasgow[1], os signatários nacionais ainda são poucos, recentes e não lideraram em referenciais ou aplicações de soluções climáticas. O governo brasileiro (à exceção Estado do Mato Grosso do Sul), bem como associações representativas do turismo, não tiveram presença notada.

Lançamentos como o guia da Green Initiative A Climate Action Guide for Tourism Businesses and Destinations, para destinos e negócios turísticos, indicam que há arcabouço desenvolvido e acessível para soluções e ações práticas para o setor. A Green Initiative é responsável pela certificação de Machu Picchu como primeiro destino carbono neutro do mundo e também atua em Bonito-MS, no processo de mesma certificação que tende a levar o destino sulmatogrossense a se tornar o primeiro carbono neutro do ecoturismo mundial. Adicionalmente, a rede Regenerative Travel lançou discussões com foco em aportar práticas para que o turismo sustentável e, sobretudo, regenerativo, ganhe escala por meio de parcerias e mais colaboração entre os agentes do turismo.

Acesse o Guia completo aqui: Green Initiative

Ao observar a repercussão desta COP em mídias nacionais e internacionais (inclusive em análises de especialistas renomados comoRockstrom)4, ficou evidente a atenção à delegação brasileira do governo eleito. Porém, essa delegação sefez presente no espaço destinado à sociedade civil, aos povos indígenas e em inúmeros painéis, mas não no turismo. Ainda que o turismo brasileiro não seja o único em relação a atrasos e recentes descontinuidades no enfrentamento aos desafios impostos pela crise climática, é evidente que ele está aquém de outros setores que já se engajam de maneira estratégica e prática, como o financeiro.

Se forem para ser cumpridos os compromissos assumidos pelo Brasil, não será possível ao turismo nacional esse isolamento.

Nas diretrizes lançadas durante a campanha do governo eleito há um eixo dedicado ao tema: Eixo 2: Sustentabilidade – enfrentamento a crises, resiliência e ações climáticas. Cumpridas as expectativas, o turismo brasileiro poderá deixar de ser um grande ausente na COP28, e próximas COPs. Estamos torcendo. E você?

FONTES

https://www.oneplanetnetwork.org/programmes/sustainable-tourism/glasgow-declaration/COP-27/11-Nov-2022

Novas instituições do Brasil aderiram à Declaração de Glasgow: https://www.oneplanetnetwork.org/organisations/reserva-santo-antonio e https://www.oneplanetnetwork.org/organisations/mato-grosso-do-sul-tourism-foundation

https://unfccc.int/un-climate-change-pavilion-cop-27 - UN Climate Change Pavilion COP 27 Programme

UNWTO AT COP27: UNITING TOURISM AROUND TANGIBLE CLIMATE ACTION PLANS: https://www.unwto.org/news/unwto-at-cop27-uniting-tourism-around-tangible-climate-action-plans

WEF - The promise and challenges of sustainable travel products - Nov 9, 2022. https://www.weforum.org/agenda/2022/11/sustainable-travel-and-tourism/

https://webunwto.s3.eu-west-1.amazonaws.com/s3fs-public/2022-11/16th%20CTS%20Meeting_ProvAgenda_vF.pdf?VersionId=0W0nYNMZUb4MA24QuoO.S11osaIyg90u


[1] Análise do Professor Eduardo Viola sobre a participação do Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na COP27: https://youtu.be/XndAwFbgSJM

[2] Mais informações sobre as relações entre a crise climática e o turismo e sobre esta declaração neste artigo LETS “Mudanças Climáticas e Turismo: desafios e oportunidades no Brasil” aqui e no vídeo do Encontro LETS sobre o tema aqui.

[3] https://youtu.be/GEP4Y3meCY8

4 - Johan Rockstrom no COP-TRANSFORMERS │Breaking More Boundaries - disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=I0jntr5yvU4

Jaqueline Gil

Jaqueline Gil

Doutoranda no Centro de Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB) e CEO da consultoria Amplia Mundo. https://www.linkedin.com/in/jaquelinegil/
Brasilia
Nayara R. Marques

Nayara R. Marques

Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB) mestra e bacharela em Turismo e especialista em gestão ambiental.
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Gabrielle N. de Andrade

Gabrielle N. de Andrade

Mestranda em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (CDS/UnB), bacharela em turismo e especialista em gestão de projetos.
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