Turismo e justiça climática: Um desafio para todos

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O ano é 2098. É verão, mas as praias cariocas estão praticamente vazias. Impossível ficar sob o escaldante sol de 49 graus Celsius (°C). Superestruturas com forte iluminação noturna, agora são utilizadas para os usuários das praias, mas a alta temperatura do mar, torna os banhos de mar, desagradável. Em Brasília, túneis subterrâneos passaram a ser a melhor forma para proteger a população das temperaturas extremas. A cidade de São Paulo já adotou mais de 1.000 “Abrigos Climáticos”. Em Minas Gerais, em 24 horas choveu cerca de 950 mm em 24 horas, o Instituto Cultural Inhotim, infelizmente perdeu parte do seu acervo, e em Ouro Preto duas igrejas sucumbiram frente às fortes chuvas. O Pantanal praticamente está seco, os rios da Amazônia, mais uma vez, em estado crítico. O Vale do Itajaí, mais uma vez sob as águas.

Em um futuro cada vez mais incerto, a emergência climática pode ser considerada como uma das mais importantes consequências do Antropoceno. Em todo o planeta, as mudanças do clima trazem ameaças para os seres humanos crescerem e prosperarem. Segundo a UNICEF (2023), o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) avalia que temos cerca de sete anos para fazer as transformações necessárias para evitar os piores impactos das mudanças climáticas. Para isso, o improvável corte de 45% do nível de dióxido de carbono na atmosfera até 2030 poderia evitar o aquecimento global acima de 1,5oC – ou seja, o limite no qual os piores impactos das mudanças climáticas poderiam ser evitados.

A Revista FAPESC (2023) relata que o mês de julho de 2023 foi o mês mais quente na história recente do planeta, segundo dados do Serviço de Mudança Climática Copernicus (C3S), da União Europeia. A temperatura média do mês em todo o globo foi de 16,95 graus Celsius (°C). O novo recorde indica que, durante praticamente todo o mês de junho, a temperatura média global esteve 1,5 °C acima do valor médio que exibiu na era pré-industrial, em meados do século XIX. A meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C – um nível que, em tese, não seria ainda tão prejudicial para o planeta – parece cada vez mais difícil de ser alcançada.

O sueco Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre Impacto Climático coordenou uma pesquisa com um grupo de pesquisadores e identificaram quais são os nove fatores limitantes que garantem a estabilidade da Terra e da vida humana, a saber: 1. mudança climática, 2. integridade da biosfera, 3. mudanças no uso do solo, 4. disponibilidade de água doce, 5. fluxos biogeoquímicos (representados pelos ciclos de nitrogênio e fósforo), 6. acidificação dos oceanos, 7. carga de aerossóis na atmosfera, 8. esgotamento da camada de ozônio e as 9. “novas entidades” (partículas que não existiam na natureza e foram introduzidas pela ação humana, como microplásticos, transgênicos e rejeitos nucleares). Segundo as pesquisas realizadas em 2009, três barreiras já haviam sido ultrapassadas. Em 2015, já eram quatro. Neste ano, de 2023 os pesquisadores alertaram que saltou para seis (Gama, G. Publica, 2023)

De norte a sul do território brasileiro, fortes evidências em relação às mudanças do clima já desafiam os limites dos serviços ambientais prestados pelos seis biomas brasileiros (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa) e demonstram riscos e ameaças das mais contundentes. Por estar situado em uma das mais imponentes e diversas paisagens biogeográficas neotropicais do planeta, cada município brasileiro guarda um pedacinho de paisagem na forma de um monumento natural, de uma praia paradisíaca, de ilhas de tirar o fôlego, de uma curva de rio, de um tipo de endemismo, daquele inesquecível cheiro da chuva ao tocar o solo do Cerrado, dos verdes estuários cobertos de manguezais, das refrescantes cachoeiras, das cavernas, dos solos, do subsolo, enfim, dos elementos da biosfera, da fauna e da flora.

Ao longo de séculos, Pindorama também guardou um impressionante acervo arqueológico, de culturas e comunidades tradicionais, e do seu artesanato. Nos últimos 500 anos as vilas e cidades históricas guardam ainda uma preciosa arquitetura adaptada ao clima e aos recursos naturais. Em cada município, a forma e a estrutura da complexa paisagem neotropical legaram ainda uma Denominação de Origem Controlada – DOC ou uma Indicação Geográfica, seja por Indicação de Procedência (IP) ou por Denominação de Origem (DO) de inúmeros produtos.

Neste mosaico de paisagens do território brasileiro, a ciência do turismo é uma daquelas que tem o olhar, a capacidade e a elegância de avaliar as potencialidades e oportunidades do espaço geográfico.  No entanto, urgem rápidas ações para avaliar os riscos e a vulnerabilidade do patrimônio natural, histórico, artístico e cultural por meio de planos, programas e projetos frente à emergência climática. Considerando a complexa e longa cadeia produtiva do setor do turismo, urge estabelecer estratégias relacionadas a um turismo solidário que possa contribuir para uma justiça climática.

No cenário da desigualdade do território brasileiro, as mudanças do clima podem afetar de forma desproporcional as comunidades mais vulneráveis e desprotegidas, especialmente as comunidades tradicionais, bem como aquelas que se situam na estrutura precarizada das periferias das grandes e médias cidades turísticas brasileiras.  Urgem Planos de Adaptação os quais devem buscar uma governança policêntrica capaz de estabelecer ações de curto, médio e longo prazos de forma participativa e integrada. Neste sentido, pensar não apenas em anos, mas em décadas. podem ser considerados como fundamentais, especialmente por meio da integração de políticas públicas setoriais, ambientais, urbanas e territoriais.

Neste sentido, o Ministério do Turismo do Brasil lançou em outubro de 2023 o documento: Ação Climática em Turismo no Brasil - Primeiros Passos Rumo a um Plano Nacional de Ação Climática para o Turismo Brasileiro (Brasil, 2023). Este objetiva estabelecer um programa de planejamento estratégico do Ministério do Turismo do Brasil, em relação às mudanças climáticas até o ano de 2030, o que corrobora com a Agenda ODS das Nações Unidas. Foi estabelecido um conjunto de macro ações climáticas que devem ser priorizadas no planejamento do Ministério do Turismo, sendo as seguintes as prioritárias:

- Criar plano setorial para mitigação e adaptação a mudanças climáticas no turismo;
- Elaborar soluções financeiras voltada a investimentos sustentáveis
- Elaborar inventário de emissões do setor com metodologia alinhada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI);
- Identificar metodologias para a mensuração de indicadores de sustentabilidade;
- Incluir o turismo no Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIM), entre outras.

O documento avalia ainda a necessidade estratégica de atuação sinérgica entre distintas instituições da esfera pública nacional, subnacional, privada e da sociedade civil, o que foi identificada como chave para o êxito da ação climática no setor de turismo. Neste sentido, a governança policêntrica passa a ser um elemento estratégico, pois segundo Elinor Ostrom (2010), esta caracteriza-se pela maior participação de atores governamentais e não-governamentais nos foros de negociação multilateral.

Logo, duas perspectivas se colocam em ação para sua consecução, a adotada pelo Ministério do Turismo, nesta primeira fase, segue a que resulta segundo Marques e Alves (2010) da construção de políticas com uma abordagem top-down, a qual estabelece o território como principal campo de referência para a compreensão das relações institucionais em relação ao tema. Cria-se assim condições e interesses comuns e uma capacidade institucional capaz de promover as ações necessárias para a mudanças de comportamento.

No entanto, ainda é necessária a abordagem bottom-up, a qual deve constituir-se em construir uma base de redes de cooperação estratégica e tática na escala local e regional, a qual busca estabelecer uma justiça climática em prol do exercício da cidadania e com efetividade do efeito multiplicador em toda a cadeia produtiva do turismo. Urge, o tempo.

Bibliografias:

Agência Pública 2023. A Terra está muito fraca para receber as pancadas que estamos dando’, alerta cientista (Gabriel Gama). Disponível em: tps://apublica.org/2023/10/a-terra-esta-muito-fraca-para-receber-as-pancadas-que-estamos-dando-alerta-cientista/ Acesso em 21 out.2023. 2023.

Brasil. Ação Climática em Turismo no Brasil: Primeiros Passos Rumo a um Plano Nacional de Ação Climática para o Turismo Brasileiro. 7p.  2023. Disponível em: Https://www.gov.br/turismo/pt-br/centrais-de-conteudo-/publicacoes/BID_Acao_Climatica_Turismo_VFinal2.pdfAcesso em 29 out. 2023.

Marques, T. S., Alves, P. O desafio da governança policêntrica. Prospectiva e Planeamento, Vol. 17−2010.

NAEA O Papel dos Atores Subnacionais na Governança Policêntrica de Clima: o caso do Pará. UFPA. 2023

Ostrom, E. A Long Polycentric Journey. Annu. Rev. Pol. Sci., v.13, 2010

Revista FAPESC Julho de 2023 foi o mês mais quente na história recente do planeta. Disponível em: Https://revistapesquisa.fapesp.br/julho-de-2023-foi-o-mes-mais-quente-na-historia-recente-do-planeta/Acesso em: 21 out. 2023

Marcus Polette

Marcus Polette

Oceanógrafo e Geógrafo. Pesquisador e professor da UNIVALI. Pesquisador CNPq. Colaborador no United Nations Pool of Experts - Regular Process. Pós-doutorado em Ciências Políticas.
Itajaí/SC