Turismo e gestão de crises em áreas costeiras: uma reflexão sobre o litoral brasileiro

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Ao longo dos últimos 40 anos, a cobertura midiática dos desastres transmitiu perda de vidas, sofrimento humano, danos à propriedade pública e privada e perturbações econômicas e sociais. A publicidade negativa resultante destes eventos geralmente caracteriza o período após a ocorrência de um desastre, que dura até que a recuperação total seja alcançada e as condições pré-desastre sejam retomadas. Num destino turístico, estes eventos podem representar ou potencializar uma crise turística, i.e. ameaçar o normal funcionamento e condução dos negócios relacionados com o turismo; prejudicar a reputação geral de segurança, atratividade e conforto de um destino turístico, afetando negativamente as percepções dos visitantes sobre esse destino; e, por sua vez, provocam uma desaceleração da economia local de viagens e turismo, além de provocar uma redução das chegadas e despesas turísticas (Sonmez, Apostolopoulos e Tarlow, 1999).

Há uma ampla gama de crises que ocorrem em todo o mundo e há muitas maneiras pelas quais elas foram categorizadas pelos pesquisadores (por exemplo, ver Ritchie & Jiang (2019), Berbekova, Uysal & Assaf (2021), Vargas-Sánchez (2018), Gurtner (2006) e por instituições (como Escritório das Nações Unidas para Redução de Desastres e Riscos – UNDRR, 2023; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, 2014), e incluem crises como Ambiental, Natural, Natural antrópico, Tecnológico, Econômico, Geopolítico e Social. Estes riscos podem ter uma dimensão menor ou maior dependendo do impacto causado na perda de bens materiais ou mesmo da própria vida.

O Escritório das Nações Unidas para a Redução de Riscos e Desastres publicou um relatório em março de 2023 que contempla quatro grupos de prioridades https://sendaiframework-mtr.undrr.org/reports-midterm-review-implementation-sendai-framework-disaster-risk-reduction-2015-2030 apresentando algumas boas práticas adotadas em 34 países que podem ser úteis para este processo de gestão de crises. São eles: 1) Compreender o risco de desastres; 2) Reforçar a governança do risco de catástrofes para gerência de riscos; 3) Investir na redução do risco de desastres a partir da perspectiva da resiliência; e 4) Melhorar a preparação de catástrofes para uma resposta eficaz e para "reconstruir melhor" na recuperação, reabilitação e reconstrução.

A natureza da experiência de viagem torna o turismo dependente de imagens positivas. A imagem do destino vem sendo identificada como um fator crucial na escolha de viagens. Ataques terroristas, incêndios florestais, incêndios, tempestades, furacões, ciclones, por exemplo, são episódios que podem mudar a escolha ou até mesmo provocar a desistência de um determinado grupo de viajar. Percebe-se no território brasileiro uma intensificação destes eventos com maior regularidade e isto tem estimulado uma reflexão não somente de organismos internacionais, mas também da academia, institutos de pesquisa, além organismos públicos, privados não governamentais.

Em março de 2023, o destino turístico natalense, localizado no litoral brasileiro, foi alvo de atentados que podem ser tipificados como terroristas, de acordo com o Projeto de Lei nº (PL) 3.283/2021,onde ocorreram cerca de 300 focos de incêndio a prédios e meios de transporte públicos e privados. Em consequência, muitas reservas e viagens foram canceladas ou prorrogadas pelos clientes, o que levou a uma redução de receitas na ordem dos 50%, segundo o presidente da associação hoteleira nacional (Unidade Rio Grande do Norte). No mesmo período, no litoral paulista, 40 pessoas morreram e dezenas seguem desaparecidas desde as fortes chuvas de fevereiro e março de 2023. Neste mesmo ano entre os meses de outubro e novembro pelo menos oito pessoas morreram em função das chuvas no Vale do Itajaí, estado de Santa Catarina. No Estado do Rio Grande do Sul, somente neste mês de novembro/23 foram registradas sete mortes, isso sem considerar as milhares de pessoas desabrigadas e desalojadas.

Então, é válido destacar o debate sobre as mudanças climáticas e seus efeitos na urbanização das cidades e como suas interferências podem impactar o turismo. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas-IPCC (2022), as cidades costeiras abrigam 11% da população mundial, sendo o ponto focal para a maioria das atividades econômicas, incluindo o turismo. Cerca de 896 milhões de pessoas vivem em cidades costeiras baixas. Previsões mais conservadoras de um aumento de 0,5 a 1,5 grau centígrado devem provocar inundações, deslocamentos populacionais e intervenções rigorosas para conter, adaptar e mitigar os efeitos devastadores causados pela elevação do nível do mar nas cidades costeiras.

Diante desse cenário o que esperar dos agentes que atuam no planejamento e gestão do turismo? O que os atores da sua cidade estão pensando para mitigar esta crise no setor turístico?

Pensar na gestão de crises é uma tarefa que exige reflexão sobre o conceito de risco, incerteza e vulnerabilidade. E diante da dificuldade de prever alguns episódios de crise, seja pela falta de planejamento, estrutura física de especialistas e recursos financeiros, a maioria das pesquisas sobre o tema aponta que as análises de crises turísticas se concentram apenas no momento pós-crise/desastres (Aliperti, et al. 2019; Faulkner, 2001). Segundo Coombs (2019 p.5), a gestão de crises é “um conjunto de fatores destinados a combater as crises e a diminuir os danos reais infligidos por uma crise”. O autor também destaca que, com base na literatura em preparação para emergências, o gerenciamento de crises envolve quatro fatores inter-relacionados: a) prevenção, b) preparação, c) resposta e d) revisão (Coombs, 2019). Esses fatores são incorporados em uma abordagem de três estágios comumente usada, que descreve o gerenciamento de crises como envolvendo três fases. A fase pré-crise (prevenção e preparação), a fase de crise (resposta) e a fase pós-crise (aprendizado e revisão) (Gani; Singh, 2019, Berbekova, et. al. 2021). A este propósito, importa referir que o planejamento estratégico desempenha um papel fundamental na prevenção e gestão de crises no setor do turismo, sendo essencial a promoção de uma colaboração efetiva entre os intervenientes no setor (Glaesser, 2004).

A maioria dos pesquisadores aponta a fase pré-crise como a principal lacuna de pesquisa e cuidado. A área de avaliação de riscos e diagnóstico de vulnerabilidades de crise é primordial da gestão de crises, e há muito a ser examinado no contexto global. Uma série de questões interessantes incluem: a) Avaliação de riscos, e b) Planos de gerenciamento de crises.

A falta de planejamento e a mídia negativa podem levar a uma crise. Em resumo, é necessário compreender a natureza das crises e desastres em destinações com apelo turístico, incluindo a natureza de uma crise/desastres, categoria, tipologia e escalas verticais e horizontais de impacto. Os estudos devem descrever claramente o contexto e como isso influencia as estratégias de planejamento e gestão. É importante destacar que as crises têm seu próprio desenvolvimento de manifestações. Segundo os estudos elaborados por Glaesser (2004) há três fases comuns: (i) a Crise Potencial, onde há uma construção imaginária com características e potencial para se tornar uma crise; (ii) a Fase Latente, em que há uma crise, mas esta ainda não foi identificada; e, finalmente, (iii) a Fase Aguda, em que a crise ocorre causando efeitos destrutivos e sendo detectada pelas entidades envolvidas. Cada fase requer uma abordagem e estratégia diferente para enfrentar os aspectos que aparecem no contexto.

Para finalizar, pensar neste foco de planejamento e gestão poderão servir de base investigativa e metodológica para o gerenciamento de crises, possibilitando aos municípios e estados brasileiros caminhos para explorar o elemento da articulação social como âncora para preparação, fortalecimento, aprendizado e resiliência dos destinos turísticos mediante crises, não somente em áreas litorâneas, mas em todas as regiões suscetíveis a crises.

Referências:

Aliperti, G.; Sandholz, S.; Hagenlocher, M.; Rizzi, F.; Frey, M.; Garschagen, M. (2019) Tourism, Crisis, Disaster: an interdisciplinary approach. Annals of Tourism Research 79, 102808.

Berbekova, A.; Uysal, M. Assaf. A. G. (2021).  A thematic analysis of crisis management in tourism: A theoretical perspective. Tourism Management, 86 (2021) 104342.

Brasil. Ministério do Meio Ambiente (2023). MMA divulga municípios da zona costeira. Available in: https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/definidos-municipios-da-zona costeira#:~:text=Munic%C3%ADpios%20abrangidos%20pela%20faixa%20terrestre%20da%20zona%20costeira%20brasileira%3A,%2C%20Soure%2C%20Tracuateua%20e%20Vizeu.

Coombs, W. T. (2019). Ongoing crisis communication. (5th ed.), Sage Publications, Inc, Thousand Oaks, California.

Gani, A; Singh, R. (2019). Managing Disaster and Crisis in Tourism: A Critique of Research and a fresh Research Agenda. African Journal of Hospitality, Tourism and Leisure, Volume 8 (4).

Faulkner, B. (2001). Towards a framework for tourism disaster management. In Managing tourist health and safety in the new millennium (pp. 175-196). Routledge.

Glaesser, D.(2004). Crisis Management in the Tourism Industry.London: Routledge.

Gurtner, Y. (2006) Understanding tourism crisis: case of studies of Bali and Phuket. Tourism Review International, Vol. 10, pp. 57–68.

IPCC (2022): Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [H.-O. Pörtner, D.C. Roberts, M. Tignor, E.S. Poloczanska, K. Mintenbeck, A. Alegría, M. Craig, S. Langsdorf, S. Löschke, V. Möller, A. Okem, B. Rama (eds.)]. Cambridge University Press. Cambridge University Press, Cambridge, UK and New York, NY, USA, 3056 pp., doi:10.1017/9781009325844.

Vargas-Sánchez, A. (2018). Crisis situations in tourist destinations: how can they managed? Enlightening Tourism. A Pathmaking Journal, 8 (1), 47-69.

Ritchie, B. W., & Jiang, Y. (2019). A review of research on tourism risk, crisis and disaster management: Launching the annals of tourism research curated collection on tourism risk, crisis and disaster management. Annals of Tourism Research, 79, 102812.

Wilker Ricardo de Mendonça Nóbrega

Wilker Ricardo de Mendonça Nóbrega

Bacharel em turismo pela UFPA, mestre em cultura e turismo pela UESC/UFBA, doutor em ciências do desenvolvimento sócioambiental pelo NAEA/UFPA. Professor do departamento de turismo da UFRN.
Natal, Rio Grande do Norte