Sustentabilidade é um tema cada vez mais recorrente, com uma bibliografia extremamente ampla, mas também bastante espinhoso. Mistura questões ambientais com desenvolvimento econômico e justiça social, e, por sua maleabilidade, permite múltiplas interpretações e adaptação a vários contextos.
Os termos “sustentável” e “sustentabilidade”, originalmente relacionados à capacidade de sustentação ao longo do tempo, se modificaram com a introdução da ideia de desenvolvimento sustentável, sendo a ela incorporados. Tal ideia surgiu no bojo das discussões ambientais do século passado, sendo largamente difundida a partir de 1987, quando foi lançado o chamado “Relatório Brundtland”, fruto dos trabalhos da “Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” da ONU. Nele, desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental são expostos como pilares do desenvolvimento sustentável, e controlar o uso de recursos naturais e o crescimento populacional aparecem como necessidades mundiais.
Com a Eco-92, conferência das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro para discutir meio ambiente e desenvolvimento, abriu-se para o mundo corporativo a possibilidade de assimilar a sustentabilidade e dela usufruir. Dois anos mais tarde, foi criado o chamado “tripé da sustentabilidade”, conceito que propôs que o sucesso das empresas fosse avaliado não apenas pelo fator econômico (lucro), mas também por fatores sociais (pessoas) e ambientais (planeta).
Como uma atividade humana, que, portanto, gera impactos ao meio ambiente, o turismo não passou incólume aos debates do século passado sobre degradação ambiental. Tais debates propiciaram o surgimento da ideia de desenvolvimento sustentável do turismo e, consequentemente, da expressão “turismo sustentável”, conceituado pela primeira vez pela Organização Mundial do Turismo em 1995.
A sustentabilidade é tema habitual na literatura do turismo, bem como nos planos, nos projetos, nos documentos, nos discursos de autores, técnicos, professores, instituições, na publicidade.
Na atual gestão do Governo Federal, iniciada em janeiro de 2023 - até pelo avanço da chamada “agenda ambiental” - o tema ganhou ainda mais relevância, trazendo consigo o enfrentamento das mudanças climáticas. Trata-se de um compromisso, presente na proposta de governo, nos discursos dos mais variados ministros e na estrutura governamental.
O Ministério do Turismo agregou a sustentabilidade ao nome da “Secretaria Nacional de Planejamento, Sustentabilidade e Competitividade no Turismo” e da “Coordenação-Geral de Sustentabilidade e Ações Climáticas no Turismo”, que substituíram, respectivamente, a “Secretaria Nacional de Desenvolvimento e Competitividade do Turismo” e a “Coordenação-Geral de Turismo Responsável”, existentes até 2022.
Já a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo - Embratur criou sua Gerência de Sustentabilidade e Ações Climáticas, com a missão de
conduzir uma agenda de sustentabilidade e ações climáticas para apoiar o posicionamento do Brasil como um destino que respeita a natureza, preserva e valoriza seus recursos naturais e culturais e promove a inclusão social como diferencial competitivo no mercado mundial do turismo.
(sustentabilidade.embratur.com.br, acesso em 15 de novembro de 2023)
Recentemente, a Embratur publicou o seu Plano de Sustentabilidade e Ações Climáticas no Turismo, para o período 2023-2026, estruturado em quatro eixos de atuação: descarbonização, resiliência climática, sociobioeconomia e economia circular.
A aposta da nova gestão da Embratur é que a sustentabilidade pode ser um diferencial para promover o turismo brasileiro no exterior. Mas, afinal, será que esse tema é realmente importante para os consumidores? Com quais aspectos eles estão mais preocupados? O que as empresas devem fazer para serem mais sustentáveis, de acordo com os consumidores? O que os viajantes internacionais entendem por sustentabilidade em uma viagem? Eles estão dispostos a pagar mais pela sustentabilidade?
A ótica dos consumidores - de produtos ou viagens - internacionais foi o ponto de partida do documento Sustentabilidade e Turismo Internacional: indicadores, recém-lançado pela agência. Além de trazer “percepções dos consumidores e viajantes sobre sustentabilidade e suas influências no processo de compra de viagens”, o compilado se utiliza de dados e fatos para abordar a questão climática e as vantagens comparativas e competitivas do nosso país frente aos demais.
Dados de fontes diversas, em especial de consultorias internacionais e grandes empresas do turismo, foram utilizados no documento, cabendo à Embratur a tarefa de selecionar, organizar e diagramar as informações para apresentá-las aos gestores públicos e privados do turismo, além de membros da academia e do terceiro setor. Valendo-se dessas fontes, o documento se divide em percepções de consumidores e em percepções de viajantes.
Na primeira parte, merecem destaque dados de 2022, da empresa de consultoria em pesquisas de mercado NilsenIQ, que revela as maiores preocupações de consumidores mundiais em relação à sustentabilidade: mudanças climáticas (45%), poluição da água (43%), poluição do ar (41%), desperdício de plástico (38%) e desmatamento (31%).
Revela, também, o que, na opinião dos entrevistados, as empresas devem fazer para serem mais sustentáveis: reduzir o uso de plástico (53%), eliminar o desperdício (51%), usar embalagens mais sustentáveis (46%) e reduzir emissões de dióxido de carbono - CO2(37%).
Essas duas questões, da mesma pesquisa, já demonstram como a sustentabilidade ainda é um tema difuso na mente dos consumidores. Elas apresentam divergências entre si, uma vez que os pesquisados revelam, por um lado, ter como sua maior preocupação as mudanças climáticas (45%) e sua terceira maior a poluição do ar (41%), mas a redução de CO2, um dos gases responsáveis pela poluição do ar e pelas mudanças climáticas, não é apontada como o principal desafio dessas empresas para se tornarem mais sustentáveis. Vale observar, também, que apenas o aspecto ambiental do tripé da sustentabilidade aparece nas respostas dos consumidores.
Passando para a segunda parte, que aborda as percepções de viajantes, uma pesquisa do Booking.com feita em 35 países demonstra uma disposição dos respondentes em “viajar de forma mais sustentável” (76%), apesar de não saberem como fazer isso: 47% buscam dicas para tal e 44% não sabem onde encontrar “opções sustentáveis”. 49% acham as “viagens sustentáveis” muito caras.
Ao demonstrarem a relevância do tema para os turistas internacionais, esses dados reforçam a aposta feita pela Embratur. Ao mesmo tempo, revelam o despreparo das empresas do setor de turismo em oferecer opções que atendam aos anseios dos consumidores e até um temor por parte deles quanto ao chamado greenwashing, a apropriação indevida de virtudes ambientais por parte das empresas, afinal, grande parte dos respondentes (43%) revelou que pagaria um pouco a mais por viagens certificadas em sustentabilidade.
Outra pesquisa, feita pela Trip.com em 11 países, questionou quais eram as maiores preocupações dos viajantes, ao buscar por uma “viagem sustentável”: apenas 30% se lembraram dos aspectos culturais e 25% dos aspectos econômicos, demonstrando que ainda é baixo o número de pessoas que associam sustentabilidade a aspectos diferentes dos ambientais. Outra preocupação revelada por essa pesquisa é que também é baixo o número de pessoas que aceitam pagar mais para incluir “opções sustentáveis” em suas viagens e o que a maioria dessas pessoas aceitam pagar a mais não chegam a 10% do valor total.
Uma terceira pesquisa, desta vez feita pela Agoda em 14 países em 2021, revelou que os respondentes ainda acreditam que o principal responsável por promover mudanças em direção à sustentabilidade nas viagens é o setor público (48%), seguido pelos próprios viajantes (20%), sobrando somente 32% para os demais atores, incluindo o setor produtivo do turismo, que, efetivamente, é quem causa os maiores impactos, positivos ou negativos.
Mais uma vez, a associação da sustentabilidade feita pelos viajantes se restringe aos aspectos ambientais, já que as principais práticas reconhecidas como “sustentáveis” pelos pesquisados pela Agoda foram o uso de energia renovável; a substituição de plásticos de uso único; a conservação animal; e a redução da pegada de carbono. Vale dizer que os entrevistados pela Trip.com também relacionaram viagens sustentáveis à proteção do ambiente natural (65%); à preservação da vida selvagem (55%); e ao impulsionamento da economia local (43%).
Como foi possível perceber neste breve texto, as pesquisas indicam que a sustentabilidade vem sendo destacada como importante pelos viajantes mundo afora. Porém, a parcela dos que estão dispostos a fazer grandes esforços e despender valores significativos pela sustentabilidade ainda é reduzida. Também, fica claro haver muita dispersão em torno do que significa sustentabilidade em uma viagem.
Certamente há diferenças entre o comportamento dos consumidores e suas percepções sobre a sustentabilidade, a depender do mercado emissor. A agência prometeu lançar, em breve, extratos sobre alguns mercados estratégicos demonstrando essas diferenças, além de painéis interativos com novos dados, para que os interessados possam se debruçar sobre o tema.
Mais do que trazer respostas prontas, a compilação feita pela Embratur, a partir de fontes diversas, nos estimula a fazer novos questionamentos sobre a relação entre o turismo, a sustentabilidade e o desejo dos consumidores, sejam eles viajantes ou não. De todo modo, somente o tempo demonstrará se a aposta na sustentabilidade como um diferencial competitivo para a promoção do turismo brasileiro no exterior foi exitosa.