Considerando a importância de criar condições objetivas e motivadoras para promover o turismo cultural no Brasil, que esteja para além da mera promoção turística que tem sido prática corrente produzida, quando ocorre, levando em conta os recursos culturais existentes nas localidades, especialmente, aquelas de carga patrimonial evidente, como as cidades históricas e sítios históricos situados em grandes urbes, trago para reflexão algumas premissas que possam auxiliar na proposição de iniciativas que venham a promover uma comunicação inteligente para o turismo cultural nesses territórios.
Os Centros de Interpretação do Patrimônio: entendendo o conceito e suas premissas
Nos últimos anos, as chamadas mídias digitais têm sido cada vez mais usadas na área da cultura (museus, galerias, sítios arqueológicos etc.) e instituições de educação. As mídias tradicionais, como as ilustrações animadas e audioguias, em conjunto com exposições interativas com recurso à multimídia digital, permitiram a transferência de conhecimento para um nível completamente novo. Novas possibilidades para apresentação e experimentação do conhecimento, de forma atrativa para a audiência, foram surgindo a partir dessa fusão.
Assim são os Centros de Interpretação do Patrimônio que atuam como espaços de acolhimento de visitantes que apresentam e interpretam esses lugares em linguagem acessível tanto para adultos como crianças, preparando e ordenando a visita a esses locais, como um elemento indutor para a gestão de fluxo de visitantes (BRITO, 2019). Sua conformação depende do objeto interpretado, podendo reportar-se a monumentos, centros históricos, sítios arqueológicos, paisagens culturais e itinerários culturais, constituindo, portanto, tipologias correspondentes à natureza do sítio cultural patrimonial. Importa dizer que a origem da experiência interpretativa está assentada na gestão de parques naturais (SANTAMARINA CAMPOS, 2008).
O Centro de Interpretação é o espaço onde se pode promover a oferta turística associada ao local, proporcionando ao visitante novas formas de abordagem da informação turístico-cultural, utilizando recursos tecnológicos interativos e tornando-o mais permeável junto aos públicos à transmissão de conteúdos que se deseja difundir. Trata-se, neste sentido, de gerar condições objetivas para a promoção de um turismo cultural de qualidade, menos passivo, inteligente e mais instigante.
Considerando a existência de várias formas de percepção, podem ser, ainda, entendidos como “espaços estruturados de apoio à interpretação, mediando objetos tão diversificados como monumentos, territórios, vivências, tradições, fenômenos socioculturais, acontecimentos históricos ou personalidades” (SEBASTIÁN, 2019, p.07) em relação a um determinado lugar.
Assim, para promover o conhecimento, a divulgação e a valorização de um bem cultural patrimonializado, um Centro de Interpretação do Patrimônio constitui-se no principal suporte para o desenvolvimento de uma abordagem metodológica da interpretação como forma de comunicação (TILDEN, 2006), a fim de favorecer que o visitante explore e interaja com o patrimônio (DIPUTACIÓ BARCELONA, 2005). Essa abordagem metodológica – a interpretação – assume um papel fundamental para assistir a esses processos antes mencionados, sendo o centro de interpretação, portanto, um equipamento a integrar os serviços de acolhida turística necessários, tendo em conta o potencial existente nos destinos turísticos de dominância patrimonial e os fluxos turísticos correspondentes (BRITO, 2009). Desse modo, para avaliar a capacidade de acolhida turística (GARCIA HERNANDEZ, 2003) que esses destinos possuem, é necessário considerar as seguintes dimensões (TROITIÑO VINUESA, 2008, P.28):
a) “A capacidade de acolhida física, a partir de cuja superação o meio ambiente e os recursos culturais se veem afetados muito negativamente, perdem qualidade, autenticidade e atrativo. Também a experiência do visitante se empobrece pois começa a sofrer os efeitos da congestão;
b) A capacidade de acolhida econômica, uma vez desbordada, provoca desajustes com as outras funções do destino, e os equilíbrios funcionais começam a sofrer efeitos negativos e a multifuncionalidade começa a se ver prejudicada. São os riscos do monocultivo turístico;
c) A capacidade de acolhida social, quando, diante de um número excessivo de visitantes, os residentes percebem o turismo como invasão e as relações com a sociedade local começam a ser tensas e conflitivas. As tensões se intensificam e os residentes podem abandonar os espaços tradicionais;
d) A capacidade de acolhida cultural, quando, por pressão excessiva ou por estratégias de comercialização e gestão incorretas, a cultura e o patrimônio local se banalizam, esvaziando-se de sentido e perdendo sua identidade.”
Assim, o Centro de Interpretação deve formalizar-se a partir da história do lugar. Os seus elementos expositivos devem ser desenhados unicamente para o Centro em questão. É fator fundamental que aportem exclusividade, personalidade e qualidade à visita. Constitui-se num equipamento concebido com um objetivo: local para acolher os visitantes – turistas e residentes – bem como informar de modo inteligente, simples, direto e instigante a história do lugar, propiciando, a partir de uma experiência sensorial, a interpretação dos valores culturais existentes e a transmissão de uma mensagem sobre esse patrimônio.
Por outro lado, o Centro de Interpretação não deve se confinar ao edifício onde está instalado, mas convidar e orientar os visitantes a conhecer o local, o território onde o sítio cultural patrimonial se encontra, a experimentar as vivências quotidianas da população local, na sua mais autêntica tradição. Como porta de entrada para conhecer a localidade e, a partir dela, desenvolver atividades educativas, culturais e turísticas vinculadas aos testemunhos históricos e às manifestações culturais existentes, deve revelar no local o significado do legado cultural que o bem cultural em questão possui, não sendo, portanto, um mero centro de atendimento ao turista.
Diferentemente dos museus, não carecem de acervos para sua existência, ainda que possam fazer uso deles e tampouco se propõem ao seu estudo, pesquisa e conservação, mesmo sendo possível realizar alguma atividade nesse sentido. Essa é, na prática, a diferença primordial entre esse equipamento de acolhida turística e o museu.
A interpretação, neste sentido, constitui-se como premissa central para a comunicação inteligente entre o patrimônio cultural e os visitantes – turistas e residentes – tornando-o um atrativo turístico acessível, ao considerar que (TILDEN, 2006):
a) Qualquer interpretação que de alguma forma não relacione o que é mostrado ou descrito com algo que está na personalidade ou na experiência do visitante será estéril;
b) A Informação, em si, não é interpretação. A Interpretação é uma revelação baseada em informações, embora sejam coisas completamente diferentes. No entanto, toda interpretação inclui informações;
c) A Interpretação é uma arte que combina muitas outras artes, independentemente dos materiais apresentados serem científicos, históricos ou arquitetônicos. Qualquer arte, de uma certa maneira, pode ser ensinada;
d) O principal objetivo da interpretação não é instruir, mas instigar;
e) A interpretação deve tentar apresentar um todo em vez de uma parte desse todo, e deve ser direcionada a passar uma mensagem ao ser humano como um todo, não a um aspecto específico dele;
f) A interpretação direcionada às crianças (digamos, até os 12 anos) não deve ser uma diluição da apresentação para adultos, mas deve seguir uma abordagem basicamente diferente. Para tirar o máximo proveito disso, precisará de um programa específico, o que sinaliza uma gestão de públicos na comunicação.
Assim, de modo sucinto e focalizado, destaco esses pontos essenciais para a tomada de decisão técnica, gerencial e política no campo da interpretação de sítios culturais, com vistas a favorecer o processo de planejamento da formulação e implementação desse equipamento cultural de forte funcionalidade turística.
REFERÊNCIAS
BRITO, Marcelo. Centro de Interpretação em Sítios Culturais Patrimoniais. Brasília, IPHAN, 2019.
BRITO, Marcelo. Ciudades Históricas como destinos patrimoniales. Una mirada comparada: España y Brasil. JUNTA DE ANDALUCÍA/CONSEJERÍA DE CULTURA/IAPH. Sevilla, 2009.
DIPUTACIÓ BARCELONA. Centros de Interpretación del Patrimonio. Manual HICIRA. Barcelona, 2005.
GARCIA HERNANDEZ, María. Turismo y Conjuntos Monumentales: capacidad de acogida turística y Gestión de flujo de visitantes. Tirant lo Blanc, Valencia, 2003.
SANTAMARINA CAMPOS, Beatriz. De la educación a la interpretación patrimonial. Patrimonio, interpretación y antropología. IN: Xerardo Pereiro, Santiago Prado Conde, Hiroko Takenaka (Coord.). Patrimonios culturales: educación e interpretación: cruzando límites y produciendo alternativas. San Sebastian, 2008, pp. 39-56.
SEBASTIÁN, Luis. Editorial. IN: Coleção Patrimónios a Norte. Centros Interpretativos: Técnicas, Espaços, Conceitos e Discursos. Edição Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN)/Ministério da Cultura, nº 3, 2019, novembro, Porto.
TILDEN, Freeman. La interpretación de nuestro patrimonio. Asociación para la Interpretación del Patrimonio - AIP. Primeira edição em espanhol. Sevilha, 2006.
TROITIÑO VINUESA, Miguel Ángel. Turismo, Patrimonio y Recuperación Urbana: retos de interpretación y Gestión. IN: UINA. Ciudades Patrimonio de la Humanidad: Patrimonio, Turismo y Recuperación Urbana. Sevilla, 2008.