Brasil em números: Turismo

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O turismo foi abordado na publicação Brasil em Números do IBGE (2021). Com 38 anos de tradição, a obra traz dados centrais para a compreensão do País: comércio, habitação, agricultura, energia, segurança, entre outros recebem atenção. O texto é apresentado em português e inglês, e tem uma belíssima edição, ilustrada com obras do acervo do Museu Nacional.

Na última edição, a Prof Helena Costa e o Prof Elimar Nascimento, pesquisadores do LETS, foram convidados como especialistas no tema Turismo.

"Foi uma alegria contribuir com um olhar sobre o turismo para uma publicação tão expressiva do Brasil. Buscamos analisar dados importantes selecionados pelo IBGE, agregando uma reflexão sobre a importância da sustentabilidade e do contexto da pandemia sobre o setor. Neste momento, é vital ter um olhar especial para o turismo doméstico", afirma a professora.

A obra está disponível para download gratuito no site do IBGE: clique aqui

Confira a seguir a reprodução na íntegra do texto:

O turismo pressupõe deslocamentos de pessoas em viagens, com pernoites. A ati- vidade turística experimentou, em 2019, dez anos consecutivos de crescimento em nível global. Comparativamente ao ano anterior, houve acréscimo de 4,0% nos flu- xos internacionais em 2019, quando mais de 1,4 bilhão de turistas viajaram, totali- zando 1,7 trilhão de dólares nas receitas geradas mundialmente (INTERNATIONAL..., 2021b).

As viagens, no entanto, pedem uma compreensão para além dessas cifras. Ao viajar, se estabelece uma relação entre aquele que viaja e quem recebe. O turismo desejável é aquele em que haja uma troca memorável para o viajante, e que seja realizada de modo atento e responsável para com a comunidade receptora e o meio ambiente. Assim, a atividade turística requer uma perspectiva sistêmica para que se possa analisar seus impactos sociais, ambientais e econômicos nas origens, rotas e nos destinos turísticos. Em cada uma dessas partes do sistema turístico há um ecos- sistema altamente impactado (positiva e/ou negativamente) pelas características e intensidades dessas viagens.

Entre os maiores desafios de nossos tempos está a busca pela harmonia das dimen- sões da sustentabilidade, com vistas a um turismo mais equilibrado, ou seja, que contribua para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com uma visão de longo prazo. Tal desafio se faz ainda mais premente em função dos indícios de aumento do aquecimento global e da atual crise ecológica (perda de biodiversida- de, poluição dos oceanos, empobrecimento de solos etc), somados aos impactos da pandemia de COVID-19.

Em 2020, o turismo foi um dos setores mais afetados pela pandemia. Foram registra- das perdas de 87,0% do fluxo internacional de turistas (INTERNATIONAL..., 2021a). Os dados mostram 1 bilhão a menos de desembarques de turistas internacionais, re- dução de 1,3 trilhão de dólares de receitas, ao lado da perda potencial de 100 a 120 milhões de empregos diretos (INTERNATIONAL..., 2021a). Para o turismo brasileiro, estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV) (IMPACTO..., 2020) indicam expectativas de perdas de R$ 161,3 bilhões no biênio 2020-2021, correspondendo a uma redução de 47,0% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em relação a 2019.

No período pré-pandemia, o Brasil vinha traçando uma linha levemente ascenden- te, e marcadamente modesta, na sua atração internacional de turistas até o ano de 2018, quando alcançou 6,62 milhões de turistas internacionais. Em 2019, no entanto, houve registro de uma ligeira queda, totalizando 6,35 milhões de turistas interna- cionais (Tabela 16.1). Uma das razões que impactou esse resultado foi a redução de turistas provenientes da Argentina, principal emissor para o Brasil (Tabela 16.1), em virtude da grave crise econômica que o país vizinho enfrenta.

O turismo internacional no Brasil é altamente dependente da América do Sul, que responde por mais da metade desse fluxo. Foram recebidos, aproximadamente, 4 milhões de turistas sul-americanos, em 2017, assim como em 2018, e cerca de 3,6 milhões em 2019. Os quatro primeiros emissores, em 2019 foram: a Argentina (1 954 725 turistas), o Paraguai (406 526), o Chile (391 689) e o Uruguai (364 830), conforme a Tabela 16.1.

A segunda região mundial que mais emite estrangeiros para o Brasil é a Europa, responsável por cerca de 1,5 milhão de turistas em 2019, com a França (257 504 turistas) ocupando o primeiro lugar entre os países. Observe-se que o maior emissor europeu está aquém dos quatro primeiros vizinhos em número de turistas enviados ao Brasil. Ainda em 2019, deu-se início à vigência da política de liberação de vistos para EUA, Canadá, Japão e Austrália, cujos resultados não são possíveis de mensurar claramente em função da pandemia em 2020.

Os principais pontos de chegada ao Brasil entre 2017 e 2019 (Tabela 16.2) foram os Estados de São Paulo, que recepcionou mais de 2 milhões deste contingente, seguido por Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná. Isso se explica por uma combinação de fatores de acesso, especialmente nos hubs aéreos de São Paulo e Rio de Janeiro, assim como o acesso próximo ao Rio Grande do Sul, incluindo a via terrestre, relacionada aos mercados emissores localizados ao sul do Brasil.

Entre 2018 e 2019, as 10 cidades mais visitadas pelos estrangeiros no Brasil (Gráfico 16.1) também tiveram poucas alterações. O Rio de Janeiro, que concentra cerca de 30,0% do fluxo, continuou como o principal destino internacional, seguido por Florianópolis (17,0%). Foz do Iguaçu, figura em terceiro lugar e foi o destino que apresentou maior incremento em pontos percentuais neste ranking entre 2018 e 2019, passando de 12,9% para 16,2%. São Paulo ficou em quarto lugar (9,4%). As cidades que aparecem em seguida são todas costeiras, tais como Armação dos Búzios, Salvador, Bombinhas, Angra dos Reis, Balneário Camboriú e Paraty. Essa listagem chama atenção para a necessária preocupação com questões ligadas à preservação ambiental de ecossistemas marinhos no Brasil e ações de enfrentamento à poluição do oceano e das praias, especialmente por plásticos descartáveis. Afinal, o turismo brasileiro depende fortemente destas localidades costeiras.

Um dos aspectos macroeconômicos que marcam o turismo brasileiro nos anos que antecedem a pandemia é o deficit na balança de pagamentos. Essa característica revela que o total dos brasileiros em viagens ao exterior, historicamente, gasta mais do que os estrangeiros que visitam o Brasil, gerando desequilíbrio. Em 2018, último ano com os dados disponíveis, as despesas foram de 18,2 bilhões de dólares (Gráfi- co 16.2), enquanto as receitas geradas pelo turismo internacional no Brasil (Gráfico 16.3) foram de 5,9 bilhões de dólares, totalizando um deficit de 12,3 bilhões de dólares, ligeiramente menor que o ano anterior (Gráfico 16.4). Diante das restrições de viagens durante os anos de 2020 e 2021, esperam-se despesas e receitas fortemente reduzidas, porém, com a provável manutenção do comportamento deficitário.

Para além do olhar sobre o turismo internacional, é fundamental observar o turismo doméstico, pois ele é predominante no Brasil. Aliás, em conformidade com a Organização Mundial do Turismo (OMT) (2021), o fluxo doméstico no mundo é estimado, em média, seis vezes maior do que o internacional em número de pernoites. Com esse peso, o turismo doméstico tem um forte impacto na estruturação produtiva, na geração de renda e de empregos do setor.

Entre as características que marcam o turismo doméstico no Brasil, em 2019, estão os deslocamentos intraestaduais, realizados de carro (47,6%) e com hospedagem em casas de parentes e amigos (52,2%), de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua sobre o turismo (TURISMO..., 2020). O estudo indica que 21,8% dos lares nacionais pesquisados tiveram ao menos uma viagem, totalizando 21,4 milhões de viagens analisadas, sendo 96,0% delas dentro do Brasil. Destacam-se as viagens por motivos pessoais (86,0%), especialmente para visitar parentes (36,0%) ou usufruir do lazer (31,0%). Entre os segmentos mais atra- tivos, o de sol e praia ocupa o primeiro lugar nas motivações (34,3%), seguido pela busca por cultura (27,2%) e por natureza/ecoturismo/aventura (25,9%). A Região Sudeste é tanto a maior emissora do mercado interno de turismo no Brasil, quanto a maior receptora. As três regiões mais visitadas foram Sudeste (39,5%), Nordeste (27,8%) e Sul (16,5%). Quanto aos destinos procurados, por Unidade da Federação (UF), destacam-se os cinco primeiros: São Paulo (18,9%), Minas Gerais (12,8%), Bahia (8,7%), Rio Grande do Sul (6,7%) e Rio de Janeiro (5,8%) que, somados, abarcam mais da metade da demanda nacional (52,9%).

O funcionamento do setor de turismo envolve uma cadeia produtiva bastante di- versificada. São negócios ligados a atividades como: hospedagem, agenciamento, entretenimento, alimentação, transporte, eventos, souvenires, entre outras, que se articulam para que o turismo se constitua em um serviço atrativo. Essa oferta é marcada por pequenos negócios. De acordo com o Ministério do Turismo, 90,0% das empresas registradas no Sistema de Cadastro de Pessoas Físicas e Jurídicas que Atuam no Setor de Turismo (Cadastur)3 são micro ou pequenas. Do total, quase 30 mil agências de turismo (Tabela 16.3) estavam presentes na oferta registrada em 2019.

A expectativa para os anos de 2020 e 2021 é de redução drástica de fluxos em con- sequência da gravidade que alcançou a pandemia no Brasil e das restrições internacionais impostas ao País decorrentes disso. Consequentemente, é prevista uma diminuição da base produtiva do turismo, que rebaterá sobre empreendimentos em localidades que têm o setor como importante vetor econômico. Estudos prospectivos globais que abordam o comportamento do setor de turismo pós-pandemia preveem uma retomada gradativa das atividades turísticas, sobretudo, por meio de viagens de curta duração, próximas ao local de residência e com novas experiências em locais sem aglomerações. Esperam-se oportunidades, especialmente, para o turismo em áreas rurais e naturais, voltadas para o aprendizado de cultura e gastronomia. Apesar de o momento estar cercado de incertezas, demanda inovações para que sejam aproveitadas as oportunidades, junto aos diversos perfis de turistas.

O turismo doméstico, além de já ser o principal gerador de fluxos turísticos no País, tenderá a ser a base para a recuperação do setor no período imediatamente pós-COVID, acompanhando as tendências globais. A vacinação se mostra um fator chave para esse movimento, pois, viajar é a segunda maior aspiração dos brasilei- ros assim que forem vacinados contra a COVID-19 (19,0%), antecedida apenas pelo desejo de reencontrar familiares (31,0%) (COVID..., 2021). Contudo, já foram observa- dos no Brasil, durante a pandemia, especialmente em feriados, deslocamentos que provocaram aglomerações em destinos turísticos populares, acendendo um alerta na construção de um turismo adequado aos novos tempos.

Para enfrentar o futuro, é importante que o Brasil torne mais robusta sua atuação na reestruturação do turismo doméstico, em um conjunto de ações que articulem os setores público e privado para promover experiências de singulares, de alta qualidade e seguras. Os próximos anos apontam, também, para a necessidade de políticas públicas de turismo inovadoras, que incorporem a sustentabilidade como elemento central em uma estratégia de valorização dos ativos naturais e culturais únicos do País.

Referências

COVID e vacinação: pesquisa revela o sentimento do brasileiro após um ano de pandemia. Observatório Febraban, São Paulo: Federação Brasileira de Bancos - Febraban, mar. 2021. Disponível em: https://news.febraban.org.br/pesquisa/2021/ marco. Acesso em: maio 2021.

IMPACTO econômico do COVID-19: propostas para o turismo brasileiro. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2020. Disponível em: https://fgvprojetos.fgv.br/sites/ fgvprojetos.fgv.br/files/01.covid19_impactoeconomico_v09_compressed_1.pdf. Acesso em: maio 2021.

INTERNATIONAL tourism and Covid-19 dashboard. Madrid: World Tourism Organization - UNWTO, 2021a. Disponível em: https://www.unwto.org/ international-tourism-and-covid-19. Acesso em: maio 2021.

INTERNATIONAL tourism highlights 2020. Madrid: World Tourism Organization – UNWTO, 2021b. Disponível em: https://www.e-unwto.org/doi/ book/10.18111/9789284422456. Acesso em: maio 2021.

TURISMO 2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. 8 p. Acima do título: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Disponível em: https:/www. ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/turismo/17270-pnad-continua. html?edicao=28243&t=sobre. Acesso em: maio 2021.

Para citar este texto, utilizar a fonte original: Costa, H. e Nascimento, E. (2021) . Turismo. In Brasil em Números, vol 29, p. 335-345.

Helena Costa

Helena Costa

Cofundadora e pesquisadora do LETS/UnB. Professora Associada VI - Departamento de Administração da Universidade de Brasília. Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Turismo. Administradora.
Brasilia, Brasil