Um novo salto: como ultrapassar a marca dos 6 milhões de turistas estrangeiros no Brasil, com tecnologias e ações ambientalmente responsáveis

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Na semana em que se comemora o Dia Mundial do Turismo e de uma reflexão publicada na Revista Veja e no The Conversation, escrita por Professor Gui Lohmann , Glauber Eduardo de Oliveira Santos e por mim, na qual elencamos 5 razões sobre a dificuldade de avançarmos no turismo internacional no Brasil, retomo o tema que me motivou na construção de novos paradigmas enquanto estive à frente da Diretoria de Marketing Internacional, Negócios e Sustentabilidade da Embratur.

Um recente grande salto em turismo internacional no Brasil, com registros de séries históricas, aconteceu entre 2002 e 2015, período em que a entrada de divisas expandiu 134% (de US$ 2,27 bilhões para US$ 5,81 bilhões - fonte Banco Central do Brasil), a entrada de estrangeiros cresceu 66% (de 3,7 milhões para 6,3 milhões, ainda antes do efeito Rio 2016 - fonte Polícia Federal e Ministério do Turismo ) e o volume total de bilhetes aéreos no país aumentou mais de três vezes (de 31 milhões para 100 milhões - fonte ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil). Um conjunto de fatores contribuíram, entre eles: a melhoria da imagem internacional do Brasil (soft power), mais voos para e dentro do país, e, também, com a criação do Ministério do Turismo, em 2003, a dedicação exclusiva da EMBRATUR - Brazilian Tourist Board ao apoio à comercialização, marketing e promoção internacional, inclusive com novas possibilidades de comunicação internacional como o Visit Brasil. Apesar desses avanços, e de atuais também (desde 2022/2023, no pós-pandemia), os números do turismo internacional no Brasil representam uma "estagnação", e não refletem o crescimento vis-à-vis seu imenso potencial.

Um dos maiores legados da Embratur como instituição que se dedica à promoção internacional, sob as presidências de Eduardo Sanovicz (in memoriam) e Jeanine Pires, possível a partir da presidência de Caio Luiz Cibella de Carvalho, líder de uma das mais estruturantes políticas do turismo brasileiro, o Programa Nacional de Municipalização do Turismo - PNMT, foi a criação do Plano Aquarela, o primeiro Plano de Marketing Internacional do Brasil (2004) e da Marca Brasil (2005).

O vanguardista Aquarela manteve-se por duas décadas (2004-2024) como o paradigma da promoção internacional brasileira, apesar de avanços e recuos em investimentos e/ou direcionamentos estratégicos, ao longo desses anos. Jamais houve uma alteração estruturante da matriz do Plano, e seguiu vigente sua lógica de promoção internacional desenvolvida a partir de mercados prioritários e de segmentos de turismo, com processos decisórios offline principalmente baseados na presença física no exterior, de maneira permanente (Escritórios Brasileiros de Turismo - EBTs, descontinuados após 2015) ou com ações presenciais e esporádicas/temporárias, como treinamentos, eventos ou feiras, majoritária mas não exclusivamente, em modelos que inovaram em formatos e/ou conteúdos, mantendo suas lógicas offline B2B ou B2C.

Para se obter um novo salto em turismo internacional, entendo ser preciso o Brasil revisitar a lógica da promoção e de suas complexas variáveis. Apenas para focar em uma delas, neste artigo, vou falar de promoção. Há muitas outras variáveis envolvidas, naturalmente. A criação de um novo Planejamento de Marketing Turístico Internacional do Brasil sempre foi meu norte, e, também, meu maior orgulho por tê-lo estruturado: trata-se de uma promessa de legado que deixei, porque, sim, trabalhei com a perspectiva de construção de legado e não de “balcão de projetos”.

Essa proposta altera lógicas e traz para seu centro uma nova modelagem do sistema de promoção comercial do turismo brasileiro, como um avanço necessário ao legado de 2004. Ela não surgiu repentinamente. Ao contrário, construiu-se a partir de análises de resultados dos últimos anos, de projeção de cenários futuros para a promoção internacional do Brasil, de aprendizados de orgulhosa participação na criação e implementação do Aquarela e seus principais programas (minha e de muitos outros profissionais). Também, e, principalmente, reflete a contribuição de brilhantes profissionais que participaram das discussões publicadas no Diretrizes para um Futuro Melhor, Fundamentado em Pessoas, Desenvolvimento Sustentável e Inovação do Turismo Brasileiro (créditos indicados no documento), além de amigas e amigos, e alguns ex-colegas, talentosos e experientes com quem tive o privilégio de trabalhar na Embratur e fora dela. Um novo plano de marketing complementa o planejamento, como indicador estratégico de rumos, fundamentado em pesquisas e direcionamentos de oportunidades futuras, mas passa a acoplar-se a um sistema mais amplo, robusto e centrado em tecnologias como Inteligência Artificial (IA) e Costumer Relationship Management (CRM), e em necessárias premissas de diversidade e sustentabilidade, frente às mudanças climáticas. Para criar coesão entre os stakeholders e fortalecer o direcionamento, complementa-se com um evento estratégico e híbrido, sediado no Brasil e com participação internacional. A mensagem de país precisa ter coerência e, para isso, um direcionamento único proveniente do Planejamento de Marketing Turístico Internacional do Brasil.

Esse novo modelo tem foco nas pessoas, independente de seu local de residência. São turistas estrangeiros e seus interesses, stakeholders/indivíduos estrangeiros e brasileiros, dos setores privado e público (nesta ordem), além da imprensa e de formadores de opinião de diferentes perfis e origens. A essas pessoas, são levados os diferenciais competitivos do Brasil, assentados também nos meios de acesso/transportes, em tendências de consumo, em sustentabilidade, ações climáticas e regeneração de ecossistemas (natureza e culturas), por meio de tecnologias (IA, CRM, plataformas online de comunicação, interação e engajamento).

A substituição de mercados e de segmentos, como regra, por pessoas e seus interesses, deverá se dar por meio da centralidade em personas, a serem trabalhadas ativamente como público-alvo central da nova promoção internacional. Identificadas e trazidas para um robusto e personalizado CRM, com IA e novas tecnologias aplicadas, precisam ser alimentadas com conteúdos de seu exclusivo interesse. A elas devem chegar temáticas gerais relacionadas ao Brasil, para construção de imagem e de soft power (influência indireta), experiências de hospitalidade e turismo, oportunidades de parcerias comerciais, iniciativas destacadas do país, e adições que impactam em sua decisão de viagens, em termos racionais e emocionais.

O ponto central do novo planejamento de marketing turístico internacional é renovar a matriz do Plano Aquarela, considerando seus êxitos e desafios, e acrescentando as tecnologias e perspectivas aceleradas do Século XXI pós-pandemia. Pesquisas indicam que experiências com interesses específicos e ao mesmo tempo complementares (como natureza e gastronomia; cidades e relaxamento; turismo em comunidades e luxo), sustentabilidade e ações climáticas, facilidades de transportes e tecnologias devem ser essenciais.

A relação custo-benefício do modelo offline, essencial para o primeiro grande salto no turismo internacional brasileiro, já mostrou a necessidade de ajustes. É só analisar o montante de investimento necessário para se fazer uma ação de qualidade em cidades globais e de alto potencial emissor para o Brasil, como Nova York, Londres ou Paris, e os resultados derivados, para compreender que é preciso mudar.

As bases do novo já nascem com diversidade, inclusão, tecnologias, sustentabilidade e ações climáticas, regeneração, integração com outros setores, e, também, direcionado aos fluidos perfis dos viajantes com interesses nas experiências em que o Brasil tem excelência, bem como em parceiros comerciais. Isso de maneira estruturante, com plataformas robustas. Há cada vez menos espaço para recuos, sobretudo no ambiente competitivo que é a promoção internacional.

Tornam-se essenciais para decisões de investimentos, ao invés das informações prioritariamente relacionadas a mercados geográficos, os interesses do público estrangeiro e suas comunidades (agregadas em dinâmicas cada vez mais globalizadas e online). Cito como exemplo personas interessadas em iniciativas de regeneração de natureza, que consomem conteúdo em inglês: elas podem estar no Canadá, no Chile, na Polônia ou na Suécia, e serem igualmente impactadas, com eficiência, por diversos tipos de canais online e parceiros, independente da realização de um evento em alguma cidade de seus países de residência, com objetivo de informação e resultados de conversão em vendas.

Enquanto estava no metrô de Nova York, na semana passada, acompanhei de relance uma senhora sentada ao meu lado, por longos minutos, interagindo no aplicativo da FARM Rio , observando com atenção itens da moda brasileira. No celular dela precisa chegar, também e imediatamente após acessar este conteúdo, por exemplo, informações e experiências que se somam ao interesse na moda, entre elas programas de carbono neutro do contexto e viagens ao país de origem dos talentosos designers, com empresas especializadas em viagens de nichos e com a companhia aérea parceira da regeneração da natureza que inspira as estampas da Farm Rio, só para dar um rápido exemplo.

Neste novo modelo, cabem quaisquer novas, emergentes ou maduras experiências brasileiras, pois seu conteúdo é direcionado à demanda das personas, independente de sua residência, e aqui há ilimitadas oportunidades.

Presença permanente torna-se direcionada às construções e manutenções de parcerias ultra-estratégicas, e à capacidade de atingir turistas de alto valor, conectados com os valores mais caros ao Brasil, sempre com foco em maior custo-benefício do investimento. A presença temporária, como ao realizar ou participar em eventos offline, sempre com investimentos significativos, sobretudo em moeda estrangeira forte, passa a ser essencial quando houver um conjunto de personas (pessoas, B2B, B2C, formadores de opinião, stakeholders estratégicos etc) com interesses objetivos, em determinada localidade, ou em calendários oficiais de feiras que geram negócios. As entregas nessas ações se tornam, portanto, direcionadas a um conjunto de pessoas, conhecido e de mais fácil acesso, para apurada assertividade no custo-benefício.

Todos os atores da cadeia do turismo, como empreendimentos de hospitalidade ou de experiências e receptivos (no Brasil), emissivos (no exterior), instituições governamentais, federais, estaduais e municipais (brasileiras), além de associações segmentadas, operadores, hotelaria, companhias aéreas, clubes e comunidades de interesses específicos, marcas de bens ou serviços com valores convergentes, novos parceiros (óbvios ou inusitados), tornam-se integrantes estruturantes deste novo sistema de promoção comercial.

Com recursos limitados para promoção internacional, não é possível imaginar um novo grande salto se ainda assentada a promoção em matriz datada do início do século XXI, já em meados de sua terceira década. É preciso um novo Aquarela, igualmente vanguardista em tempos atuais, fundamentado na lógica de que exportação de serviços de turismo é um negócio que pode financiar melhorias constantes para o país, inclusive a tão necessária conservação da natureza e a regeneração de nossos ecossistemas.

Jaqueline Gil

Jaqueline Gil

Doutoranda no Centro de Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB) e CEO da consultoria Amplia Mundo. https://www.linkedin.com/in/jaquelinegil/
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