Turismo na Amazônia em Tempos de Mudanças Climáticas
Em 2022, o LETS lançou uma obra intitulada Turismo, Sustentabilidade e COVID-19: entre incertezas e esperanças, em que contribui com um capítulo que trata dos impactos da pandemia sobre as comunidades do rio Negro (AM), um dos mais importantes e maiores rios de água doce do planeta. O título começa assim: “O turismo parou...”.
Para quem não tem familiaridade com os rios da Amazônia é importante esclarecer que o rio Negro, principal afluente do Solimões, é considerado um rio sagrado pelos povos indígenas. Por possuir a segunda maior bacia em volume de água do planeta, em 2018, entrou para a Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional conferido pela Convenção Ramsar, um tratado intergovernamental criado no dia 2 de fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar. Essa lista é fundamentada no reconhecimento, por parte dos signatários, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo das zonas úmidas.
Ao longo desse imponente rio de águas pretas, muitas comunidades indígenas e ribeirinhas recebem visitantes para experienciar um turismo único, em que o banho em suas águas é parte do roteiro. Em 2023, em um cenário de mudanças do clima, enquanto em alguns estados das regiões sul e sudeste do Brasil o volume de precipitação acumulada (chuvas) apresenta um padrão típico do fenômeno El Niño, com algumas cidades registrando acumulados três vezes acima da média de outubro, houve um déficit de precipitação para a região norte, segundo o Boletim do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Além da redução das chuvas, da onda de calor e da baixa umidade na região, os rios da Amazônia secaram!
Para entender melhor a situação, em mais de 120 anos de medição das águas do rio Negro no Porto de Manaus, em outubro de 2023 foi registrada a maior seca da história. A estiagem extrema castiga vários municípios do Amazonas. Em Tefé, por exemplo, no médio Solimões, de acordo com o Boletim Técnico do Instituto Mamirauá, mais de 150 botos-vermelhos (Inia geoffrensis) e tucuxis (Sotalia fluviatilis) foram encontrados mortos. Os pesquisadores revelam que há fortes evidências entre a morte dos golfinhos de água doce e o aumento da temperatura das águas do lago de Tefé, que chegou próximo dos 390C. Mais recentemente, na cidade Coari, também interior do Amazonas, foram encontradas mais de 20 carcaças de botos-vermelhos.
Nesse cenário caótico, convivemos ainda com um número expressivo de focos de queimadas, o que colocou a capital Manaus, por causa da fumaça, entre as piores cidades do mundo em poluição do ar, de acordo com a World Air Quality Index, uma plataforma que acompanha os níveis de poluição no mundo. Na área urbana, os atrativos turísticos ficaram parcialmente encobertos em meio à fumaça e, nas áreas rurais, muitas comunidades estão isoladas e sem água; há esforços conjuntos das mais diversas instituições para entregar alimentos e água potável para as pessoas afetadas pela seca.
Diante de tantas crises simultâneas, o turismo vem resistindo bravamente. Não parou como na pior época da pandemia de Covid-19, mas alguns pequenos empreendedores que vivem em comunidades cuja fonte de renda principal é o turismo, mais uma vez se viram diante da necessidade de suspender as operações. Pousadas e restaurantes, na região do rio Negro, deixaram de atender aos visitantes pelo fato da seca impactar diretamente a navegabilidade, o que impede de se chegar aos atrativos turísticos, sem contar que o calor torna um simples deslocamento ou mesmo uma trilha na floresta extenuante para o turista.
Em 2007, a Organização Mundial do Turismo (OMT), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização Meteorológica Mundial (OMM) produziram um documento sobre mudanças climáticas e turismo o qual afirmava que as mudanças do clima afetariam os destinos turísticos, sua competitividade e sustentabilidade. Nota-se que a viabilidade do destino Amazonas foi parcialmente influenciada pela emergência climática, e a escassez hídrica é uma prova disso.
O transporte de cargas com insumos destinados às empresas do Polo Industrial de Manaus exigiu uma operação mais complexa para que os navios conseguissem atracar. A previsão dos órgãos oficiais de turismo, do município e do estado, é receber 25 mil turistas em 19 navios de cruzeiros que passarão por Manaus na temporada 2023/2024, outra tarefa que exige esforço redobrado das autoridades. Esses impactos climáticos diretos também são desafios humanitários, considerando que a Defesa Civil Estadual anunciou, enquanto eu escrevia este texto, que os 62 municípios do Amazonas entraram em estado de emergência devido à seca histórica e mais de 600 mil pessoas são afetadas pela estiagem.
Diante disso, as empresas do turismo têm preocupações adicionais como as medidas relacionadas aos casos de emergência, navegabilidade, compra de alimentos e bebidas, o que pode acarretar aumento dos custos de operação ou mesmo na interrupção deles, o que já vem acontecendo nas áreas mais distantes. O turista precisa encontrar condições favoráveis para que possa aproveitar ao máximo a experiência nos destinos escolhidos e, diante dessa realidade, será necessário avançar em direção a estratégias que consigam atenuar os impactos no turismo.
Ao mesmo tempo que o turismo é impactado pelas mudanças do clima, ele também contribui para essa alteração climática a partir do uso de combustíveis fósseis e energia por exemplo, cabendo aos gestores, planejadores e empresários repensar os desafios desse setor. O que sabemos é que o turismo é extremamente vulnerável aos eventos climáticos extremos; sendo assim resta-nos considerar a minimização dos impactos com foco nas seguintes dimensões, como apontaram Grimm, Alcântara e Sampaio (2018)[1]:
[...] econômica, por meio de novos investimentos, tecnologias e estratégias de comercialização; ambiental com a proteção e uso racional dos recursos; social, promovendo a diminuição da pobreza, a diminuição da vulnerabilidade turística assegurando segurança física da comunidade receptora e do turista, caso acontece (sic) um evento climático extremo; política, promovendo ações e iniciativas de mitigação e adaptação e; (sic) espacial com adequado planejamento e ordenamento territorial.
Assim, no estado com a maior extensão territorial do país, diante do isolamento de comunidades ribeirinhas e indígenas, da falta de água potável, de alimentos, principalmente o peixe, das dificuldades de deslocamento em meio à lama, do aumento do custo de vida, dos problemas de saúde agravados pelas condições extremas, o turismo fica quase invisibilizado em meio a tantos assuntos prioritários.
O turismo segue tentando se reinventar, aqueles que dependem dele e que tiveram suas operações suspensas ou prejudicadas esperam uma mudança de cenário quando as águas dos rios subirem e não custa reforçar que urge a necessidade da adoção de políticas públicas que incluam, mais do que nunca, as discussões sobre turismo e as mudanças climáticas.
[1] Grimm, I. J. ; Alcântara, L. C. S. ; Sampaio, C. A. C. O turismo no cenário das mudanças climáticas: impactos, possibilidades e desafios. Rev. Bras. Pesq. Tur. São Paulo, 12(3), pp. 1-22, set./dez. 2018.