O turismo é um fenômeno e um sistema transversal que articula na dinâmica econômica, com o ambiente político, elemento de força e influência, com a sociedade, a cultura, e o meio ambiente, num mesmo quadro de desenvolvimento sustentável, inclusão social, e fortalecimento de territórios. Contudo, para que seu potencial se concretize, é essencial que haja governação e governança eficazes, assim como políticas públicas bem formuladas e compartilhadas. Vamos explorar por que discutir esse tema é urgente e como ele pode transformar realidades locais e dialoga no Sistema Integrado do Turismo - SID.
Governação e/ou governança no turismo?
O termo governação que defendo aqui, envolve os processos de decisão governamental, participação e articulação entre atores públicos – participação multinível. Já o termo governança, defendido por inúmeros autores, abrange o envolvimento dos atores públicos (união, estados, municipios), privados (sociedade civil organizada) e comunidades (locais e tradicionais), universidades, entre outros, caracterizando uma participação multinível e multissetorial. No turismo faz-se imprescindível uma governança híbrida (setores público e privado) com capacidade de planejar, gerir e monitorar ações para formulação das políticas públicas que envolvam o tripé: Estado/governo, mercado/empresas e a sociedade.
Uma boa governação pode reconhecer o turismo como prioritário - atenção do governo, com inserção na agenda pública e, consequentemente, no orçamento. A boa governança promove a participação cidadã, reduz desigualdades territoriais, garante continuidade das políticas públicas – independentemente de mandatos políticos, estimula a integração intersetorial, entre outros. Ambas, governação e governança, precisam existir de forma associada e corroborativa, onde todos os atores impactam ou são impactados pela tomada de decisão.
Nesses espaços de diálogo, instâncias de governança, as políticas públicas se articulam como instrumentos de governança e como ferramentas de decisões governamentais. O instrumento, define “o quê” e “porquê” será implementado. É estratégico, normativo, de planejamento e articulação interinstitucional, orienta a ação do Estado, da governança ou outros atores do turismo. A ferramenta mostra “como” alcançar os objetivos. Recurso técnico, metodológico ou tecnológico, operacional, prático, de monitoramento e avaliação. A governança deve ter ampla percepção e foco estratégico, conhecimento dos fatores-chave (imperativos estratégicos) sustentabilidade e competitividade.
Por que o turismo precisa de políticas públicas específicas?
Vamos diferenciar primeiro o contexto das políticas públicas no turismo e as políticas públicas de turismo. A diferença está no alcance e na função que o turismo assume dentro do campo das políticas públicas. As políticas públicas no turismo têm sentido ampliado, intersetorial. Trata-se de políticas públicas de outras áreas (educação, cultura, meio mabiente, segurança, saúde, transporte, entre outras) que impactam e se materializam dentro do campo do turismo. O turismo aqui é o campo de aplicação ou beneficiário indireto de políticas mais amplas. Já as políticas públicas de turismo têm sentido restrito, específico. São políticas elaboradas especialmente para o setor e sua função é estruturar, fomentar e regular o turismo. Neste caso, o turismo é o objeto central da política.
Respondendo ao questionamento posto, o turismo é transversal, envolve diversas áreas e sem as políticas públicas específicas, não há alinhamento, coordenação, trocas entre os setores, o que pode gerar impactos negativos, exclusão de comunidades locais, degradação ambiental, inflação local e outros prejuízos. Sem políticas claras e alinhadas às diretrizes macro e ao contexto local/destino, o turismo tende a ser explorado de forma desordenada, desigual e predatória. A política pública deve corrigir assimetrias territoriais e não o inverso. Muitas falhas derivam da fragmentação institucional do destino e da ausência de estratégias integradas e de longo prazo e da desarticulação na construção dessas políticas públicas. Boas políticas públicas, sejam “no turismo” ou “de turismo” são construídas com dados, diálogo, foco no coletivo e no orçamento.
O papel das políticas públicas no fortalecimento do setor
As políticas públicas são o alicerce no desenvolvimento do turismo de forma planejada, inclusiva e sustentável. O conceito entrelaçado de planejamento e políticas públicas está imbricado e entrelaçado com o orçamento. Não existe política pública sem orçamento. As políticas públicas definem, entre outros aspectos: Prioridades de investimento; Marco regulatórios; Incentivos à inovação e capacitação/qualificação; Proteção dos patrimônios culturais e naturais. Uma política eficaz é aquela que tem base em dados confiáveis, é construida de forma participativa, tem clareza de objetivos, metas e indicadores; garante continuidade, é independente de mudanças de governo; tem eficácia ligada à boa governança, com mecanismos de coordenação, transparência, monitoramento e adaptação às transformações do ambiente.
Por onde começar a mudar a realidade de um destino?
Incentivar fóruns participativos com comunidades locais - instâncias de governança; garantir dados e diagnósticos atualizados sobre os destinos/territórios; integrar o turismo a outras políticas públicas e qualificar os profissionais da gestão pública do turismo. Falar sobre governação/governança e políticas públicas no turismo é reconhecer que o turismo pode – e deve – ser um agente de transformação social. O turismo passa pela escuta ativa, pelo planejamento e pela construção coletiva. Camadas estratégicas, táticas, operacionais e de suporte e inteligência aqui sintetizadas sincronizam o processo decisório.
Compreender essa complexidade exige mais do que uma mera análise de componentes isolados; requer uma abordagem sistêmica que revele as relações intrínsecas, as interdependências e os fluxos dinâmicos que a constituem. Essa perspectiva não é apenas um exercício acadêmico, mas uma ferramenta metodológica crucial para identificar pontos de alavancagem para intervenção e para o desenvolvimento sustentável em um destino e as suas políticas públicas.
O livro
Conheça mais o livro Governação e Políticas Públicas no Turismo (lançado pelo Selo LETS UnB, 2024) – uma obra que convida à reflexão e à ação, e, pode ser também uma leitura complementar valiosa para as disciplinas relacionadas às políticas públicas, planejamento turístico, administração pública e gestão territorial.
