Cicloturismo – o prazer da redescoberta
O mundo contemporâneo, globalizado, repleto de inovações tecnológicas, em que a vida parece andar mais rápido do que percebemos ou podemos acompanhar, forjou o homem pós-moderno, estressado, que vive pressões sociais, econômicas e estruturais; um homem que passa por crises diversas, tanto em suas relações pessoais como culturais e, mesmo, ambientais.
Nesse cenário o turismo se apresenta como instrumento que pode proporcionar a esse homem desassossegado a vivência de experiências que lhe possibilitem uma vida mais saudável, de melhor qualidade.
A recente pandemia de Covid-19 (que, apesar dos inúmeros avanços científicos e médicos ainda não deixou de nos assustar) mudou nossas relações interpessoais e com o planeta. Os deslocamentos e as viagens mudaram e, certamente, continuarão a mudar, seja pela própria dinâmica da vida ou pelas necessidades demandadas pelos diferentes desafios que enfrentamos hoje e que enfrentaremos no futuro.
Nesse cenário, um antigo conhecido, o cicloturismo, ganha novos adeptos. Viajar utilizando a bicicleta como meio de transporte proporciona a possibilidade de contato mais direto do turista com o ambiente e com outras pessoas por meio de atividades que incluem práticas esportivas, recreativas, educativas e formativas de uma consciência ecológica, de preservação da natureza. É uma forma saudável e mais sustentável de deslocamento por não usar modais que produzem poluição sonora e ambiental, diversificando a mobilidade nas cidades, entre outros benefícios. Apresenta-se como um turismo democrático (sem distinção de classe social, idade, raça ou sexo), podendo ser praticado de forma individual ou com mais pessoas, abrangendo percursos pequenos de apenas um dia ou mais longos, sem preocupação com o aspecto competitivo, mas somente com o prazer de pedalar.
Ainda, o cicloturismo interage com diversos segmentos como o turismo rural, cultural, gastronômico, ecoturismo, esportivo, lazer, de saúde, entre outros. Traz, também, como nos demais tipos, a possibilidade de, com um bom planejamento de suas rotas, causar benefícios econômicos, culturais, sociais e ambientais para os moradores das áreas visitadas.
Na esfera internacional, destacam-se no cicloturismo: Alemanha; Escócia; Irlanda; Holanda; Estados Unidos; Canadá; Austrália; Nova Zelândia. Já no Brasil, tem-se algumas iniciativas promissoras. Uma das mais conhecidas, a Estrada Real, foi instituída em 1999 pelo governo de Minas Gerais. Considerada como a maior rota turística do país, com 1.630 km, a Estrada Real abrange diferentes municípios dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e foi pensada para ciclistas, caminhantes, cavaleiros e veículos 4X4 (Instituto Estrada Real).
Baseada nos percursos históricos de escoamento dos metais preciosos encontrados em Minas Gerais, a Estrada Real se divide em quatros caminhos: Caminhos dos Diamantes, Caminho Novo, Caminho Velho e Caminho do Sabarabuçu. Para cada um deles, o Instituto Estrada Real sugere diferentes roteiros, com estimativa de tempo de viagem e informações sobre a composição das trilhas disponíveis. Por exemplo, para o Caminho Velho, que sai de Ouro Preto/MG com destino a Paraty/RJ, estima-se que os ciclistas percorrem 710 km em 15 dias. Dessa extensão total, aproximadamente 82% é feita em estrada de terra. Há ainda informações sobre altimetria dos diferentes trechos e é possível baixar o traçado do caminho escolhido para o GPS.
Deve-se lembrar, entretanto que, para que uma cidade seja, de fato, bike friendly, é necessário que o poder executivo municipal invista na infraestrutura urbana com a construção de ciclovias, ciclofaixas, paraciclos e bicicletários. Para o turista, é essencial que os donos e responsáveis pelos empreendimentos turísticos localizados nas e/ou próximos das rotas também invistam em infraestrutura como espaços exclusivos para a guarda da bicicletas, por exemplo. Somente assim se consolidará a F local. A ausência de infraestrutura, por sinal, é uma das principais críticas que a Estrada Real enfrenta desde a sua criação.
Outra iniciativa brasileira que estimula o cicloturismo é a Lei nº 13.724, de 4 de outubro de 2018, que instituiu o “Programa Bicicleta Brasil (PBB) para incentivar o uso da bicicleta visando à melhoria das condições de mobilidade urbana”. Especificamente, o inciso V do parágrafo 3º estimula “a implantação de rotas intermunicipais seguras para o deslocamento cicloviário, voltadas para o turismo e o lazer” (grifo nosso). Diante da importância dessas ações, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional criou o Selo do Programa Bicicleta Brasil, “destinado ao reconhecimento de empreendimentos, intervenções e iniciativas que incentivam o uso da bicicleta visando à melhoria das condições de mobilidade urbana”. Contudo, essas medidas ainda não foram efetivadas a contento.
Vale destacar a vantagem do uso de bicicletas no melhoramento da qualidade do ar das grandes cidades, se comparado aos veículos automotores: os deslocamentos por ônibus geram cerca de 22% de poluentes locais e 36% de CO2; os carros representam 79% de poluentes locais e 65% de CO2 lançados na atmosfera. Em contrapartida, a bicicleta representa redução na utilização de recursos naturais para sua fabricação e não consome combustíveis poluentes para sua operação.
Vivemos tempos de urgência na adoção de novas maneiras e práticas de vida voltadas para a melhoria do meio ambiente que possam mitigar os tantos danos, muitos já irreversíveis, que temos causado ao planeta. Uma vez adotadas medidas para o reordenamento da mobilidade urbana, com a construção e a manutenção de ciclovias seguras, o incentivo à prática do deslocamento sobre duas rodas e, em particular, do cicloturismo, certamente poderá trazer inúmeros e incontáveis benefícios para o setor. Além disso, sem dúvida, contribuirá para a saúde tanto física como mental dos turistas que se dispuserem a pedalar, viajando com calma, aproveitando ao máximo um bem que nos falta hoje: o tempo. E, de bônus, ainda contribuirão para a sustentabilidade ambiental.