Modelo de Turismo de Cancún: outra vez?

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Façamos nossas apostas: quanto tempo demorará para o "Modelo de Cancún" voltar à pauta como inspiração para o desenvolvimento do turismo brasileiro neste ano eleitoral?

Antes que comecemos por aí, cabe ponderar porque Cancún não é referência para o futuro do turismo no Brasil.

Cancún atrai turistas, gera riquezas e desperta controvérsias há mais de 45 anos. Ícone do modelo de balneário construído do zero, fruto de forte intervenção governamental e de altos investimentos, o exemplo mexicano volta e meia retorna ao debate nacional como referência para o desenvolvimento do turismo no Brasil. Diversas razões, porém, explicam porque esse modelo não cabe mais nas referências de desenvolvimento de turismo, especialmente quando, mais do que nunca, o planejamento público (e privado) precisa mirar para o futuro.

Resultado do primeiro Plano Nacional de Turismo do México (1963), Cancún foi fruto do modelo desenvolvimentista do século passado, de grande intervenção estatal e quando temas como meio ambiente, identidade cultural e tecnologias eram secundários. Sua localização geográfica (proximidade aos EUA, praias de areia branca e mar caribenho), o momento histórico (embargo dos EUA à Cuba) e grandes investimentos em infraestrutura e promoção internacional foram fundamentais para a imediata atração de expressivos números de turistas  estrangeiros, sobretudo norte-americanos.

Local mais visitado no México, Cancún recebeu 16 milhões de estrangeiros em 2019, concentrando quase três vezes a quantidade de visitantes registrada pelo Brasil inteiro, no mesmo ano. O balneário é um caso exitoso em termos econômicos, porém, não se pode ignorar que, nele, surgiram complexos problemas: desigualdade, violência, crime organizado, lixo, degradação ambiental e a excessiva dependência de um único setor econômico.

Antes da pandemia, Cancún já era um modelo anacrônico. Agora, essa perspectiva se consolida e se agrava, diante das mudanças que ocorreram no mundo desde que nos deparamos com a COVID-19.

Segundo Vicente Acosta, CEO da consultoria mexicana Sustentur, “o modelo está defasado. Em momento de forte consolidação da Agenda 2030, regressar ao modelo dos anos 1960 - 1970 é um retrocesso”. Para Sandra Weber, diretora de um empreendimento turístico no México, “novas localidades no entorno de Cancún se desenvolvem porque valorizam autenticidade e produtos turísticos criativos”, o que está alinhado à nova diretriz mexicana para o turismo. Há claros sinais de esgotamento do modelo baseado na construção de mega hotéis, isolados do contexto local, a que já existem inúmeras alternativas e ganham preferências do consumidor atual.

Como evidências para compreender o consumo, temos o Sustainable Travel Report da Booking de 2022, que apresenta uma pesquisa realizada com cerca de 30 mil pessoas ao redor do mundo e aborda hábitos de viagens e sustentabilidade. Os achados mais recentes fortalecem o que já aparecia em 2021: há indícios no mercado de que os viajantes querem e pretendem inserir práticas mais sustentáveis em suas escolhas de férias. A compreensão é de que o turismo precisa impactar positivamente os destinos visitados e suas populações. Preocupações com o lixo, com a conservação da vida silvestre, com as emissões de CO2 e com a autenticidade das experiências estão em jogo. Destinos como menor aglomeração de pessoas e menos conhecidos, estão também em alta.

Replicar o modelo de Cancún é um equívoco que já foi cometido no Brasil, e que não precisamos seguir repetindo. “A Costa do Sauípe foi inspirada em Cancún e não funcionou por vários motivos. As novas gerações de viajantes querem vivência de experiências, contato com cultura local e autenticidade” diz Carolina Sass de Haro, consultora que contribui para o redesenho dos resorts na Bahia. “A nova estratégia deu lucro de R$ 10 milhões no primeiro ano da operação reformulada”, ela completa.

Centros globais de pesquisas de futuros, com o Instituto de Copenhague de Estudos de Futuros,  indicam fortemente que não se pode mais deixar para trás temas como mudanças climáticas e sustentabilidade, desenvolvimento tecnológico e diversidade como temas fundamentais para consumidores. Seu diretor, Carsten Beck, acredita que “é necessário estar aberto para discutir o futuro que se quer em seu país. Deve haver reflexão não apenas orientada pelo otimismo, mas realista, com cenários e perspectivas reais” (veja entrevista aqui). Portanto, se quisermos atrair visitantes atualmente, enquanto também nos prepararmos para o futuro, precisamos adaptar nossos territórios e métodos de planejamento. Olhar para frente é uma premissa.

O Brasil pode se inspirar em lugares como Costa Rica, África do Sul e Nova Zelândia, que abordam temas como inovação em turismo atrelada à sustentabilidade. Eles modernizaram infraestrutura e serviços, qualificaram profissionais e investiram em posicionamento internacional, o que é mais interessante do que fabricar balneários do zero, como feito no século passado.

Somos o segundo país mais competitivo do mundo em recursos naturais, conforme o Fórum Econômico Mundial (2019). Pesquisas do Ministério do Turismo indicam que cultura e diversidade são diferenciais brasileiros. Poderíamos transformar esses potenciais em serviços de valor agregado e teríamos, aqui, destinos turísticos conectados com o presente e com o futuro. Ao invés de uma “nova Cancún”, poderíamos entregar experiências brasileiras autênticas, e garantirmos que elas se mantenham alinhadas com o futuro, em processos de renovações constantes, como pede o Século XXI.

Seria um bom começo, neste Século, aprender com erros do passado e agir em consonância com o que já sabemos: é necessário renovar, sempre, olhando para frente.

Helena Costa

Helena Costa

Coordenadora do LETS/UnB. Professora Associada III do Departamento de Administração da Universidade de Brasília. Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Turismo. Administradora.
Brasilia, Brasil
Jaqueline Gil

Jaqueline Gil

Doutoranda no Centro de Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB) e CEO da consultoria Amplia Mundo. https://www.linkedin.com/in/jaquelinegil/
Brasilia
Elimar Pinheiro do Nascimento

Elimar Pinheiro do Nascimento

Sociólogo, Doutor pela Université de Paris V (Rene Descartes). Professor permanente da Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB) e do PPGCASA/UFAM.