*artigo originalmente postado no Blog Turismo Spot
Temática bastante discutida no meio empresarial e acadêmico, assim como pelos organismos governamentais e do terceiro setor, a cooperação no turismo se mostra uma condição cada vez mais relevante, em um mundo de crescente escassez de recursos (naturais, financeiros etc.). Principalmente em cenários de crise, formar alianças com outras organizações se mostra essencial à competitividade dos destinos turísticos. A cooperação se traduz no trabalho conjunto entre diferentes organizações almejando benefícios comuns e/ou complementares. Essas parcerias costumam ser mais formais, quando envolvem grandes empresas, e informais, quando permeiam o universo dos micro e pequenos negócios (caso mais recorrente no setor turístico).
Em termos práticos, a cooperação pode se materializar em situações de maior complexidade como a transferência de tecnologias e a replicação de boas iniciativas empresariais, ou em ações simples como a indicação de uma pousada para que seu hóspede realize um city tour com uma agência parceira. Ou ainda, quando um hotel repassa seu cliente a um outro hotel parceiro por estar em overbooking. É importante notar que, ainda que não intencionalmente, o setor turístico requer ações de cooperação, diante da lógica de complementaridade da sua cadeia produtiva. Em outras palavras, em um destino é preciso ter quem ofereça o transporte, o alojamento, a alimentação, quem guie os visitantes pelos atrativos durante a sua estadia etc.
Em diversos estados brasileiros, empresários se unem para realizar press trips em seus destinos. Assim, organizam a logística para receber jornalistas e demais formadores de opinião, desde o seu deslocamento e estadia, até a própria experiência de visitação aos atrativos locais. Inclusive, esta já foi uma iniciativa compartilhada entre estados distintos, caso da articulação que envolveu empresas pertencentes à Rota das Emoções (MA, PI e CE) no Nordeste brasileiro. Muitas vezes, o investimento para pagar a prestação de serviços de um consultor é viabilizado pelo fato de empresários dividirem os custos envolvidos. Algo que, isoladamente, dificilmente os empreendimentos poderiam realizar. Já se sabe que muitos negócios conseguem participar de feiras de turismo como ABAV, BTM e WTM, exatamente porque rateiam os custos de locação dos stands e/ou contam com apoio dos seus governos locais. Nas feiras, os empresários lutam coletivamente para atrair novos parceiros que comercializem seus produtos e serviços. Localmente, desenvolvem suas estratégias individuais na captação de novos clientes e fidelização dos antigos.
Em um dos destinos brasileiros mais competitivos, a Vila de Jericoacoara (CE), proprietários de restaurantes se uniram para compartilhar custos de frete, pois compram grande parte de suas mercadorias na capital cearense. Certa vez, quando se depararam com problemas relacionados à coleta pública do lixo, uma associação empresarial local dividiu entre seus membros os custos de transporte dos resíduos, evitando, assim, maiores efeitos negativos como a proliferação de doenças e o desgaste na imagem do destino. Como se nota, muitos são os exemplos da articulação empresarial que gera retornos positivos aos envolvidos como a redução de custos, a obtenção de informação privilegiada, uma maior visibilidade de produtos e serviços, a elevação no número de clientes, entre outros. Isso tudo favorece ganhos à competitividade dos negócios e, consequentemente, dos destinos.
Em muitas realidades, uma cooperação bem estabelecida, que favoreça melhor governança do destino como um todo, exige uma articulação mais sistematizada e o conhecimento de parte do empresariado acerca da relevância de atuar com outros negócios em parceria, ainda que sejam eles concorrentes diretos. Um bom exemplo disso? O mecanismo do voucher digital em Bonito (MS) que, após anos dedicados ao incremento da sua operacionalização, conseguiu chegar a um formato que privilegia elementos fundamentais para a gestão do turismo local: garantir a arrecadação de impostos, distribuir os benefícios socioeconômicos entre os agentes da cadeia produtiva, assegurar a qualidade na experiência de visitação, além da proteção ecossistêmica. Não ao acaso, Bonito ostenta prêmios nacionais e internacionais, enquanto destino de ecoturismo, e constitui uma referência para outras localidades turísticas que almejam aperfeiçoar a sua governança como o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA) e o Parque Estadual do Jalapão (TO).
Mas o que boa parte dessas iniciativas empresariais de cooperação tem em comum? A resposta é o envolvimento direto das chamadas instituições de suporte (IDS). Estas são entendidas como organizações que atuam nos destinos, fornecem aos negócios locais serviços especializados, conhecimentos externos ao território e oportunidades que promovem a competitividade empresarial. Nos destinos, as IDS se traduzem em associações empresariais, organizações governamentais, universidades e centros de pesquisa, bem como fontes de financiamento públicas ou privadas.
Embora nem sempre mencionadas (ou reconhecidas) pelos negócios turísticos, e comumente imperceptíveis aos olhos dos visitantes, as IDS vêm se mostrando importantes agentes na construção das parcerias empresariais nos destinos. Essa “mão invisível da cooperação turística” se estabelece, pois as IDS contribuem na conscientização sobre a importância de cooperar, na aproximação entre os empresários – que muitas vezes nem se conhecem – para que iniciem os diálogos em prol da cooperação efetiva, bem como na operacionalização dessas parcerias. Muitas ideias de alianças partem das IDS e são concebidas nos encontros promovidos por elas. É o que instituições como o SEBRAE costumam realizar nas rodadas de negócios e que universidades fazem ao organizarem eventos que congregam os variados atores do setor turístico. As IDS promovem também reuniões com o empresariado para compartilhar boas práticas sobre esse tema e gerenciar conflitos locais, questões fundamentais para o estabelecimento de alianças entre os envolvidos.
Outra importante contribuição das IDS se relaciona às orientações técnicas, por meio de cursos e treinamentos, que auxiliam na implementação das ações colaborativas entre as empresas. No Brasil, reconhece-se a atuação de IDS como secretarias municipais e estaduais do turismo, órgãos governamentais como o Ministério do Turismo, associações representativas do setor como ABAV, ABIH e BRAZTOA, além de organizações como o SEBRAE e os Convention & Visitors Bureau.
No contexto da COVID-19, em cidades como Alto Paraíso (GO), Florianópolis (SC) e São Luís (MA), o suporte governamental – nas diferentes esferas – foi fundamental para que muitos negócios conseguissem honrar com seus compromissos financeiros junto a colaboradores e fornecedores. Além disso, a ação conjunta de associações empresariais – como ABAV e ABIH – para pressionar o governo federal na construção de medidas que apoiassem o setor turístico resultou na MP nº 948/2020, que desobrigou empresas a reembolsarem consumidores, por um dado período, nos casos de cancelamentos de serviços, reservas e eventos. Esta foi mais uma iniciativa que reproduz a ideia central da cooperação: agir coletivamente visando benefícios comuns. Neste caso, apoio público às empresas do turismo para o enfrentamento das intempéries advindas da pandemia.
Por fim, compartilho o pensamento de dois renomados estudiosos do Turismo, Ritchie e Crouch (2003), acerca da competitividade global do setor de viagens. Para eles, antes mesmo da competição entre negócios dentro de um destino, os variados atores da cadeia produtiva – competidores ou não – devem se atentar à disputa entre os diversos destinos pela atenção dos turistas. Logo, o esforço coletivo e cooperado para construir uma oferta turística distinta – que se reflete no conjunto de experiências de visitação propiciado pelas organizações que compõem o destino – é peça-chave para que a localidade se torne “objeto de desejo” por parte dos viajantes. E essas alianças empresariais, que favorecem a competitividade das cidades turísticas, podem ter nas IDS o seu ponto de partida.